sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sonetos Dispersos 1

Gustavo Teixeira
(1881/1937)
Casa Paterna


Da velha casa em que a manhã da vida
passei – conservo uma lembrança exata:
antes de eu vir ao mundo foi erguida
perto da serra, quase ao pé da mata.

Dá para o sul a frente enegrecida;
ao lado, para um poente de escarlata,
janelas donde, na estação florida,
se aspira o cheiro dos jasmins de prata.

Perto, o bambual em cujo seio amigo
cantam graúnas, e o pomar antigo
com melros, tiés e gurundis em bando.

O ribeirão, o cafezal, a horta...
Ah! que saudade o coração me corta
do lar querido que deixei chorando!
– – –


Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior
(1845/1898),
Visita à Casa Paterna


Como a ave que volta ao ninho antigo
depois de um longo e tenebroso inverno,
eu quis também rever o lar paterno,
o meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
o fantasma talvez do amor materno,
tomou-me as mãos, – olhou-me, grave e terno,
e, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
em que da luz noturna à claridade
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
chorava em cada canto uma saudade.
– – –

Elizabeth Barrett Browning 
(1806/1861)
Soneto


Ama-me por amor do amor somente,
não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
o seu sorriso, o modo de falar
honesto e brando. Amo-a porque se sente

minha alma em comunhão constantemente
com a sua.” Porque pode mudar
isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
de tuas mãos enxuga, pois se em mim
secar, por teu conforto, esta vontade

de chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me pelo amor do amor, e assim
me hás de querer por toda a eternidade.
– – –


Darly O. Barros / SP
Celagem


Meu estro se extasia, ao ver o ocaso
vermelhecer, à curva descendente
do sol: são seis e vinte e é, sem atraso,
que ele boceja e some, no ocidente...

Meus dedos fremem, não por mero acaso:
há que selar o vôo mais recente,
os frêmitos e arroubos do parnaso,
ao mergulhar as asas no poente;

e, então, a gotejar vermelho e rosa
– colhidos na viagem espantosa,
realizada às fímbrias do cariz, –

vê-lo embebendo a pena em mil rubores
e, num papel, eternizando as cores
do sol poente, em glorioso bis...
– – –


Raimundo da Mota Azevedo Correia
(1860/1911),
A Cavalgada


A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
o som longínquo vem-se aproximando
do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
o remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta,
a lua a estrada solitária banha...
– – –


Sebastião Alício Sundfeld,
Saudade em Tarde de Chuva


Nessa tarde chuvosa, meio acinzentada,
vou na infância buscar a emoção fugidia.
Encosto-me à janela, como antes fazia,
para espiar na rua as águas da enxurrada.

Ronda-me conhecida sensação passada...
O vidro da vidraça é uma carícia fria!
Aqueço-me, porém, no afago que existia
naquele alegre tempo de criança amada.

Tarde de chuva, tarde de história tristonha,
a relembrar da vida um tempo muito antigo,
que mais parece ser a história de quem sonha.

Sou menino outra vez, na magia de agora,
ao pressentir mamãe a contemplar comigo
a chuva derramando saudades lá fora.
– – –


Athayr Cagnin
Cavalheiro


Graças a Deus, ela voltou! Sozinho,
eu já não suportava os dias meus.
Aves, cantai! Abre-se um novo ninho!
Tristezas, meu tormento amargo, adeus!

Ela voltou. Enfeita-se o caminho
por onde passam os pezinhos seus.
Vem para mim. Espera-a o meu carinho.
Ela voltou, por fim... graças a Deus!

Juntos, quem o diria, novamente!
Eu e ela. Nós dois... quem o diria?
Juntos de novo como antigamente!

Voltou. Abrem-se flores. Tons irreais
dão novo colorido ao velho dia.
Um amor que ressurge. Um poeta a mais.
– – –


Luís Vaz de Camões (c. 1517/1580),
“O fogo que na branda cera ardia”


O fogo que na branda cera ardia,
vendo o rosto gentil que eu na alma vejo,
se acendeu de outro fogo do desejo,
por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se incendia,
da grande impaciência fez despejo,
e, remetendo com furor sobejo,
vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama, que se atreve
a apagar seus ardores e tormentos
na vista a quem o sol temores deve!

Namoram-se, senhora, os elementos
de vós, e queima o fogo aquela neve
que queima corações e pensamentos.
– – –


Leonilda Hilgenberg Justus / PR
Vazios


Certo dia, em floresta perfumada,
dois pássaros falavam seriamente:
– Ai, amigo... a minha alma está agoniada
ante as ações dos que se dizem gente...

– Eu, também (fala o outro da galhada).
Mudei-me já três vezes, num repente!
Homens em ambição descontrolada,
arrasaram meus lares, friamente!

Bem logo, onde árvores e claros rios,
delícias para amar, viver, cantar,
veremos só vazios... só vazios...

E daí... – continua mais baixinho... –
ninguém terá ninguém por quem chorar...
sem vida alguma, e até sem passarinho...
– – –


João Henrique da Silva
Extremos


Andavam pela rua avô e neto,
apoiados em mútua confiança,
dividindo entre si, o mesmo afeto.
Eram dois velhos, ou duas crianças.

Neto querido, com avô dileto,
um dando ao outro inteira segurança
através de palavras simples mansas
vindas, ora do avô; ora do neto.

Fiquei admirado, olhando a esmo.
Depois, me perguntei a mim mesmo:
– Qual é o velho, qual é a criança?

Quando eu olhei para eles novamente,
já iam de mãos dadas bem distantes.
Era o adeus apoiado na esperança.
– – –


Raimundo da Mota Azevedo Correia
(1860-1911)
Anoitecer


Esbraseia o Ocidente na agonia
o sol... Aves, em bandos destacados,
por céus de ouro e de púrpura raiados,
fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...

Delineiam-se, além, da serrania
os vértices de chama aureolados.
Em tudo, em torno, esbatem derramados,
uns tons suaves de melancolia...

Um mundo de vapores no ar flutua...
Como uma informe nódoa, avulta e cresce
a sombra, à proporção que a luz recua...

A natureza apática esmaece...
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
surge trêmula, trêmula... Anoitece.
– – –


Josué Anacleto Vieira
Meu Cajueiro


Foi da semente que brotou viçoso,
meu cajueiro amigo do cerrado;
no chão fecundo seu feliz repouso,
na imensidão do campo desbravado.

Foi na floresta que cresceu frondoso,
sob a magia do céu azulado;
lá, onde corre manso o Rio Formoso,
fonte da vida como no passado.

Essa distância que afastou nós dois,
parece até que me feriu depois,
da nostalgia que meu peito invade.

Vejo o orvalho das folhas deslizando,
a se espalhar no chão de vez em quando
como se fossem gotas de saudade.

Fontes:
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 08 – AGOSTO 2000
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 07 – JULHO 2000
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 06 – JUNHO 2000
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 09 – SETEMBRO 2000

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