terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Artur Eduardo Benevides (Depoimento Sigiloso)

Não. Eu não estava sentado à janela de meu apartamento, olhando para o mar, nem tudo ficou bem claro de repente e uma súbita luz desceu do céu. Não eram vinte e três horas. Não estava tudo calmo. Não havia um brando e inesperado vento leste-oeste, suavizando o tremendo calor de 33 graus.

Eu não bebera minha costumeira dose de rum com coca, limão e gelo. Não falara com minha tia Onalda, que não me perguntara se não havia algo estranho lá fora.

Não fico sozinho aqui, todas as noites, a comer pizza com orégano, desde que meu filho se foi para sempre. Não senti o drama da morte de minha mulher, apunhalada na rua por um assaltante. Nem a partida de minha filha, pouco depois, para terras distantes, acompanhando o marido aviador.

Minha vida não é terrivelmente monótona e vazia. Não sou infeliz. Não vivo a olhar o infinito através de uma pequena luneta astronômica, de fabricação japonesa. Nem vi, outro dia, uma imagem bastante estranha surgir, às três da manhã, no meu aparelho de televisão a cores, de vinte e cinco polegadas, e desaparecer lentamente, emitindo sinais numa frequência desconhecida.

Não acredito em vida fora da terra. Não gosto de falar em tais assuntos. Não me fascinam. Não me empolgam. Não me levam a adquirir mais de trezentos volumes sobre literatura de antecipação.

Não converso tais cousas com ninguém. Meu genro nunca me disse que a Força Aérea desconfia seriamente da existência de objetos voadores não identificados. Nem me falou de certo Projeto Pente – Fino, em que há provas irrefutáveis de passagem ou permanência entre nós de viajantes de outras galáxias, o que, aliás, se encontra registrado nos mais velhos livros do mundo. Ou melhor, retificando: não se encontra registrado em livro nenhum.

Quem disser que recebo comunicação telepática de alguém chamado U-Thor está mentindo. Não recebo comunicação nenhuma. Não fui até o paredão de pedras negras, para ver, de repente, aqueça maravilhosa luz vinda do céu. Nem fiquei, na noite seguinte, sentado em meu carro, tentando fazer a gravação da mensagem prometida.

É pura mentira a existência daquelas palavras: “Saudações cósmicas, ó povo do planeta azul! Necessitamos urgentemente de vós. Nossa civilização está perecendo e tendes espaço e oxigênio suficientes para o que resta de nossa população. Não vos faremos mal. Já não somos muitos. Temos informações extraordinárias para os vossos cientistas. Moramos alguns anos-luz, mas podemos chegar em sete-de-força para proteger as nossas cubas, pois estais muito próximos do sol e somos todos albinos. Aguardamos para breve a vossa generosa decisão. Paz! Paz! Paz! Alegrias para todos, ó irmãos do planeta azul!”

Tudo isso é inverdade. Utopia. Ilusão. Ou fantasia. Na realidade, U-Thor não me disse que já se impacienta e os seus acabarão por chegar de qualquer maneira. Não sei se as vanguardas já desembarcaram ou estão a desembarcar no Canadá, escolhido como Ponto Alfa. Nunca vi nada. Não sei de nada. Estive aqui, meio paralítico, por cinco anos.

Ignoro por que motivos satânicos minha nora foi declarar tais cousas nos jornais. Não acredito em disco-voador. Não existem Óvnis. Ou Ufos. Nos altos céus, só as estrelas, os planetas, os asteroides e os cometas. Nada mais. O resto é pura imaginação. E U-Thor? Ora, quem é U-Thor? U-Thor não existe. Sua luminosa nave não pousa, de sete em sete dias, de madrugada, naquela praia deserta. Nem ele me curou de paralisia no braço esquerdo usando um pequeno facho de luz violácea. Nem livrou tia Onalda de um tumor maligno no seio.

Nada disso aconteceu. Quem disser o contrário é louco. Os senhores, do Serviço de Inteligência, podem anotar que assino. Com firma reconhecida e tudo. E, por favor, me esqueçam. Não mais há nada a declarar. Juro que minha mente continua sendo minha. Inteiramente minha. Não a cedi, em momento algum, aos mensageiros do segundo planeta da Terceira Constelação. Continuo a ser terráqueo. Não estou começando a enxergar no tempo ou a exercitar-me em telecinesia. Não principio a perceber o inesquecível mundo da quarta dimensão. Não sendo iniciado no Grau Psi Beta. Nego tudo. Não sei de nada. Não vi nada. Só quero que me deixem em paz. Preciso viajar com urgência para o Canadá. Desculpem: foi um engano. Não preciso viajar com urgência para o Canadá. Nada tenho a fazer lá. Ou em parte alguma. Ninguém me espera. Rigorosamente, ninguém. Nem aqui, nem na curva do horizonte, nem nos frios espaços das estrelas.

 (Artur Eduardo Benevides, A Revolta do Computador e outros contos de mistério)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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