sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Carlos Valadares (Poemas Avulsos)

Pintura: O Poeta , de Francisco Javier Rodriguez
Esperança {TC "Esperança "}

Aspirar o murmúrio
silêncio de mil lutas
recolhendo sons, despojos
de insanes loucos
sobrevivendo.

Erguer a lança, porém
bandeiras ao alto
cavalgando Rocinantes
em busca da utopia

Tornar-se guerreiro
em tormentosas batalhas
o impossível
viável há de ser.

Cicatrizes

Cicatrizes
vários matizes
artísticos
de sobreviventes
quase valentes?
Úlceras ardidas
inquietas
ocultas sofridas
inesperadas agonias
de inveja despojo
de alegrias desprimor
desossadas cicatrizes
de soslaio arremetidas
de gentes
mais que valentes?
ardentes úlceras
de fogo despegadas
de humanas gentes
sobreviventes.

Necrológio

Tanto de estranho oferece a vida
pavor mórbido a face empalidece
obsessiva leitura dos necrológios
procura trêmula de um nome
amigo, parente, anônimo
este morreu jovem, acidente,
atropelo. Matou-se?
Por amor, paixão, desdita
infarto, cansaço, velhice.
O nome, colega de escola, folguedo,
vizinho, a menina da esquina.
Eu me encontro em cada letra
imagino meu nome desfeito
um tempo qualquer, não me lembro
ainda continuo a buscar meu nome.

Fênix

‘Vida era uma coisa desesperada.”
Guimarães Rosa (Noites do Sertão)


Os escombros
as sombras
amedrontadas
atrás das serras
nas vésperas
do nascer do sol
bruscos lampejos
na vida sem freios
Súplica de beijos
desejos
eterna busca
perto do fim
do que não acabou,
ainda.
Cômodos fechados
oito cadeados
sete chaves
correntes arrastadas
do passado
atrás das serras
nas vésperas
do nascer do sol
apagar as marcas
gravadas riscadas
cicatrizes
cinzas
nas oficinas
do sofrer.
Renascer
com os sóis
girassóis
sobreviver
desabrochar
assustar o medo
de amar.

Incógnita

Ignorado
ocaso dos paradigmas
quais?
Verdades de seu tempo
aviltadas pelo dogmatismo.
Pioneiros
tirando água das pedras
construindo do nada
política é coliseu de paixões
O que é a vida
vendaval de ilusões
destruídas
tempestades de sonhos
por construir
novo antigo paradigma

Cinzas de outubro

Escute o silêncio
brado de mudas vozes
de tempos passados,
ultrapassados,
sem futuro.
No trabalho o silêncio se espalha,
fala o corpo.
Encontro de olhares
de viés.
Escute as vozes do silêncio
presságio de tormentas
súbito desconforto.
Escute o fluxo, as correntes
os subterrâneos,
nas entranhas
a varrer silêncios
e dos arbítrios
os donos.

Quase pânico

Porque a noite esconde tantos fantasmas
despertados pelo insone medo
de perder-se na trama do sono
onde náusea e quiasmas
discutem a existência do nada.
Não durmo e tenho medo
de passos antepassados
memórias desmemoriadas
sons, ruídos, diversos
sombras e luzes movediças.
Não durmo e tenho medo
da ausência do corpo a meu lado
Anseio e sinto falta
de sua presença na casa
do cheiro, perfume o que seja...
O vagar pelos cantos
o sono, o sonho, o nada
o temor de cerrar os olhos
estar só
e não despertar.

Pedaços de papel

Perdi a conta do que já escrevi
pedaços de papel rasgados,
amarrotados
atirados ao lixo,
ainda com o gosto salgado
das lágrimas, salvos talvez pelo destino
no fundo obscuro de uma gaveta
esquecidos entre as páginas de um livro
que não tive tempo de reler
e continuo a escrever
dores, sofrimentos, amores
para nunca serem lidos
falta a coragem
a oportunidade
o medo de se abrir
de abrir as portas.
Assim é a vida

Sem vida

A rotina amordaça
é o mofo, é a traça
tece a névoa
entorpece a vida
de nada tinge o tédio
o conflito obscurece
desbota o colorido
trança a rede
da descrença
atormenta o íntimo
aprisiona as cores
imobiliza
destrói os sonhos
ata as peias
correias, cadeias
A rotina odeia o sol
a luz, a vida, o amor,
a rotina
faz morrer

Fonte:
Goulart Gomes (Organizador). Antologia do Pórtico I.2003.

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