Anda-se isto a desfiar:
Quem será o responsável
Dos atos que praticar
O poder irresponsável?
Há várias opiniões
Sobre esta questão pendente;
Contradizem-se as razões,
Um afirma, outro desmente.
Vão aos livros e aos Anais
Buscar uma extensa lista
De palavras textuais
Deste ou daquele estadista.
Nem só nacionais, também
Surgem nomes estrangeiros,
Nomes ilustres, que têm
Merecidos pregoeiros.
Um deles foi o senhor
Benjamin Constant, pessoa
Que o poder moderado
Criou e deu à coroa.
Foi ele, em escrito seu,
Que à constituição brasília,
Sem saber, o artigo deu
Que pôs a toda família
Dos poderes, um poder
Que a regesse e moderasse...
Outros porfiam em ver
O caso por outra face.
E tu, Benjamin, fatal,
Grande amador de pequenas,
Tu, morto, tu, imortal,
Lá das regiões serenas,
Que pensas, que pensas tu
Nesta questão, obra tua?
Tira do espírito nu
Opinião crua e nua,
Põe-lhe sobrescrito a mim,
Se achas melhor escrevê-la;
Ou brada-m'a, Benjamin,
Que eu poderei entendê-la.
E logo uma bela voz
Me entrou pelo gabinete,
Fininha como um retrós,
Viva como um diabrete.
E disse: — “Queres saber
O que nesta causa penso?
Qual o meu modo de ver?
A que partido pertenço?
“Se acho que o moderador,
Nos atos em que modera,
Tem ou não algum senhor
Que responde e o desonera?
“Se o poder, a quem chamei
Neutro, pode, irresponsável,
Ter por isso mesmo em lei
Um ministro responsável?...”
“ — Sim, despacha, respondi
Já zangado e impaciente.
— “Di-lo-ei a ti, a ti;
Se queres, di-lo a mais gente.
“Não verás em mim a flor
Da modéstia, planta rara,
Responderei com rigor,
Certeza e palavra clara.
“Digo que gostei de ouvir
Idéias finas e tantas,
Gostei de as ver discutir
Leão, Cotegipe e Dantas.
“Mas, com franqueza, eu deitei
Tudo ao mar, nesta viagem.
Só uma cousa guardei
E trago-a cá na bagagem.
“Não que julgue sem valor
Outras páginas escritas
Ou faladas, não, senhor;
São puras e são bonitas.
“Foram feitas ao buril,
Pensadas e bem pensadas.
Deixei-as às mil e às mil,
Por esse mundo espalhadas.
“Mas agora que aqui estou,
Livre de ruins cuidados,
Digo: o melhor que ficou
Dos escritos lá deixados
“Foi... palavra que não sei,
Não sei bem como me exprima:
Foi um livrinho de lei,
Uma jóia, uma obra-prima,
Um livro, um livrinho só,
Que entre os escritos passados,
Resiste ao mórbido pó —
Dos anos empoeirados.
“Custa-me dizê-lo, crê:
Um romance, e pequenino;
Relê, amigo, relê
O meu Adolpho; é divino.
“Do mais tanto cuido aqui
Como daquela camisa,
A primeira que vesti...
Diz a rima que era lisa”.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Quem será o responsável
Dos atos que praticar
O poder irresponsável?
Há várias opiniões
Sobre esta questão pendente;
Contradizem-se as razões,
Um afirma, outro desmente.
Vão aos livros e aos Anais
Buscar uma extensa lista
De palavras textuais
Deste ou daquele estadista.
Nem só nacionais, também
Surgem nomes estrangeiros,
Nomes ilustres, que têm
Merecidos pregoeiros.
Um deles foi o senhor
Benjamin Constant, pessoa
Que o poder moderado
Criou e deu à coroa.
Foi ele, em escrito seu,
Que à constituição brasília,
Sem saber, o artigo deu
Que pôs a toda família
Dos poderes, um poder
Que a regesse e moderasse...
Outros porfiam em ver
O caso por outra face.
E tu, Benjamin, fatal,
Grande amador de pequenas,
Tu, morto, tu, imortal,
Lá das regiões serenas,
Que pensas, que pensas tu
Nesta questão, obra tua?
Tira do espírito nu
Opinião crua e nua,
Põe-lhe sobrescrito a mim,
Se achas melhor escrevê-la;
Ou brada-m'a, Benjamin,
Que eu poderei entendê-la.
E logo uma bela voz
Me entrou pelo gabinete,
Fininha como um retrós,
Viva como um diabrete.
E disse: — “Queres saber
O que nesta causa penso?
Qual o meu modo de ver?
A que partido pertenço?
“Se acho que o moderador,
Nos atos em que modera,
Tem ou não algum senhor
Que responde e o desonera?
“Se o poder, a quem chamei
Neutro, pode, irresponsável,
Ter por isso mesmo em lei
Um ministro responsável?...”
“ — Sim, despacha, respondi
Já zangado e impaciente.
— “Di-lo-ei a ti, a ti;
Se queres, di-lo a mais gente.
“Não verás em mim a flor
Da modéstia, planta rara,
Responderei com rigor,
Certeza e palavra clara.
“Digo que gostei de ouvir
Idéias finas e tantas,
Gostei de as ver discutir
Leão, Cotegipe e Dantas.
“Mas, com franqueza, eu deitei
Tudo ao mar, nesta viagem.
Só uma cousa guardei
E trago-a cá na bagagem.
“Não que julgue sem valor
Outras páginas escritas
Ou faladas, não, senhor;
São puras e são bonitas.
“Foram feitas ao buril,
Pensadas e bem pensadas.
Deixei-as às mil e às mil,
Por esse mundo espalhadas.
“Mas agora que aqui estou,
Livre de ruins cuidados,
Digo: o melhor que ficou
Dos escritos lá deixados
“Foi... palavra que não sei,
Não sei bem como me exprima:
Foi um livrinho de lei,
Uma jóia, uma obra-prima,
Um livro, um livrinho só,
Que entre os escritos passados,
Resiste ao mórbido pó —
Dos anos empoeirados.
“Custa-me dizê-lo, crê:
Um romance, e pequenino;
Relê, amigo, relê
O meu Adolpho; é divino.
“Do mais tanto cuido aqui
Como daquela camisa,
A primeira que vesti...
Diz a rima que era lisa”.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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