sábado, 25 de janeiro de 2014

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 28 – 20 de setembro de 1887


Quando tudo em paz corria
Cai uma nuvem prenhada
De chuva e de ventania,
De saraiva e trovoada.

E cai lá naquela banda
Do paço dos senadores,
O melhor paço da Holanda,
Boa pedra, arminho e flores.

Inda se fosse no paço
Dos deputados, vá feito;
Embora sendo embaraço,
Caía no próprio leito.

Pois se este paço figura
Ao pé do velho senado,
Que afigura e transfigura,
Como ele, o que lhe é levado,

Certo é que é mais dada a zona
Aos temporais desabridos;
Quem lá vai mete-se em lona,
Oleado e outros tecidos.

Mas, no senado, em verdade,
Posto não seja o primeiro
Exemplo de tempestade,
Nem talvez o derradeiro,

Causa espanto, porque tudo
Parecia que ia andando,
Não inteiramente mudo,
Mas lentamente calando.

Vai então, como eu buscasse
Saber por algum amigo,
Maneira com que explicasse
Este singular perigo,

Achei um vizinho, um magro,
Um que não tem este olho;
Chamá-lo-ia Meleagro,
Di-lo-ia autor de algum molho,

Se não parecesse abuso
Esse recurso mofino,
Mofino, mas não escuso...
Os versos têm seu destino!

Tenho sido belo, às vezes,
Só por exigi-lo a rima;
Chama-se a um homem Menezes
Quando não passa de um Lima.

Mas, qualquer que seja o nome
Do vizinho consultado,
Fui lá p'ra matar a fome
E saí esfomeado.

Procurei-o, como disse,
E no meio da palestra
Aconteceu que surgisse
Uma questão grave e mestra:

Se o senado é que governa
Ou a câmara. O sujeito,
Querendo passar-me a perna,
Tira estas vozes do peito:

“— Dizem que a câmara baixa,
Conforme a prática inglesa,
Assim como tem a caixa
Da receita e da despesa,

“Rege a política, e forma
Os homens à sua imagem,
Que é essa a única norma
Da parlamentar viagem.

“Sendo, porém, cousa certa
Que os ingleses querem antes
Achar sempre a porta aberta.
Dos comuns representantes.

E comuns há que padecem,
Se a boa sorte lhes falta,
E após os pais que falecem
Vão para a câmara alta,

“Onde é menor o trabalho,
Sessões curtas, pouca vida,
Galho do poder, mas galho
De folha amarelecida;

“Cá buscamos o senado;
E se o que há mais forte e fino
Tem ali lugar marcado
É que ali mora o Destino”.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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