sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Miguel Russowsky (Poemas Avulsos)

A CHUVA CHORA

A chuva chora lenta na vidraça
suas lágrimas são finas... (eu também).
Hoje estou triste e dói... A vida passa
e eu faço versos sem saber a quem.

Há sonhos que recheio de fumaça
sortidos em teares do desdém.
Amei... Perdi... e da amargura, a taça,
soube fazer de mim o seu refém.

Escrevo... A chuva chora... O pensamento
umedece meus olhos, no momento
em que tento findar este terceto.

Sei que o silêncio habita a tarde fria,
só não sei como a chuva, tão macia,
consegue por espinhos num soneto.

ARREPENDIMENTO

Um por um, os meus sonhos, nesta vida,
Despi no andar do tempo modorrento
Qual árvore esfolhada pelo vento
Numa tarde outonal, entristecida.

Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
À procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
Destroços de minha alma enrijecida.

E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
Tropeço em meus pedaços pela estrada
Com saudosa visão aqui e ali.

Não mais me iludo, e essa descrença atesta
Que passarei o tempo que me resta
Recolhendo os pedaços que perdi.

CHOVE… E NÃO VENS!

Chove a chuva e tu não vens... (Tristeza!)
... e os talheres... e os cálices de vinho
sobre a toalha, alvíssima de linho...
e as velas... (mas nenhuma foi acesa! )

... e as flores como parte da surpresa...
e alguém ansioso pelo teu carinho...
e a música ambiente... e o som baixinho...
e as duas taças de cristal na mesa...

... e as dobra, com amor, nos guardanapos,
cheias de ardis para teus dedos, guapos...
e as iniciais bordadas num cantinho...

... e a lareira onde o fogo já não arde...
Chove e faz frio... e tu não vens...( É tarde! )
Soubesses como dói jantar sozinho?!..

CONVITE PARA JANTAR

Ela e a Tristeza, sim há semelhança,
ambas estão no pensamento agora.
E a chuva chove... Chove e não se cansa...
Muito solícita a vidraça chora.

O meu relógio diz, de hora em hora,
Uma palavra só: - Desesperança!
E a chuva chove lenta, fria e mansa
e mansa e fria não se vai embora.

A minha amada, longe, não me escreve...
Corre em meu rosto a lágrima, de leve
e vem borrar o retratinho antigo.

A solidão renova o olhar sizudo...
Chove... Silêncio... ( e o telefone mudo)
 Pois bem, Tristeza, janta aqui comigo!

DOMINGO...(DE LICOR E AÇÚCAR CÂNDI)

Manhã de sol...A luz passeia a toa...
Explode a primavera em frenesi.
Meu bairro, todo chique, não destoa,
parece um ogro alegre que se ri.

Mignon, gentil, arisco, sobrevoa,
a namorar a rosa, um colibri...
...e perfumes no ar...-Que coisa boa!
O céu está pertinho...É logo ali!

Meu domingo é grande (- Muito grande!)
Cheinho de licor e açúcar cândi.
Estou de bem com toda a humanidade.

Minha amada virá...(telefonou-me)
e ela não quer que lhe revele o nome,
que tem dez letras...(é ?... -FELICIDADE!)

ESTOU SÓ!... (DUVIDO)

Estou só?...(Não tão só: eu tenho esta caneta
que adora conversar. É discreta, fiel
e sempre me quis bem. Depois tem o papel
que apóia o meu trabalho e veste a camiseta.)

Eu, só?...(Só se quiser. A ideia, meu corcel,
se parece um “Sputnik”, vai a qualquer planeta,
não cansa de falar, toca flauta e trombeta
e traz ao meu silêncio, amadas em tropel).

Estou só?...Um pouquinho. (Aprendi que a saudade
desfaz da solidão, ao menos a metade
e o resto que sobrar, com jeito, vira pó)

Estou triste, é verdade. Entanto (quem diria?)
uma lágrima só, pode ser companhia.
Duvido, sendo assim, que eu esteja só.

NOITE SEM AURORA

A noite de um adeus não tem aurora
mas tem silêncios longos por recheio;
tem farpas arranhando, bem no meio...;
tem desesperos mil vagando fora...

A noite de um adeus, eu sei que chora
ao ver a sepultura de um anseio.
Não a censuro e até a manuseio
com estes versos que componho agora.

A noite de um adeus ensina a gente
ter dias sem relógio...e alguém já disse
que nunca cicatriza totalmente.

A noite de um adeus...só bem depois
expõe a solidão, numa velhice,
em que murchamos tristes nós, os dois.

ORAÇÃO DO POETA

– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?

– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.

– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?

– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– Quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.

OUTONO EM MEIO

O vento desistiu de seus andares,
cansou-se e resolveu dormir mais cedo.
As folhas, nem balançam no arvoredo.
Borboletas...algumas pelos ares.

Nuvenzinhas solteiras e sem medo
buscam no céu seus noivos ou seus pares.
Cá por dentro borbulham os cismares
numa ausência de rumos e de enredo.

(- Ó tardes, de domingo, ensolaradas!...)
O silêncio murmura uma cantiga
para ouvirmos a sós...mas de mãos dadas.

Deixemos, por enquanto o lábio mudo!
E o relógio, deixemos que prossiga...
Conversar?...Para que, se sabes tudo?!.

PROMESSAS
 

Estava eu só Passou... Sorriu... Olhei-a...
Estremeceu. Estremeci. Sucede
que o imprevisível manda e a gente cede.
No céu azul brilhava a lua cheia.

Depois... as consequências... — Quem as mede
se a razão, sem razão, já titubeia?
E o mar acariciando o ardil, na areia:
"O vinho é bom sorver antes que azede!"

Vai-se o verão. Agora é frio e neva.
Palavras sem valor, o vento as leva.
As juras antecedem as desditas.

Um instante de amor — eternidade!
Dois instantes de amor — fidelidade'
... Nem todas as mentiras foram ditas.

RECEITA DE SAÚDE E FELICIDADE

Não antecipe nunca o sofrimento!...
Diga “Bom Dia!” ao sol que lhe saúda.
Seja qual um discípulo de Buda:
- É mister se gozar cada momento.

No “que será...será” que não se muda,
se abrigam primaveras...(mais de um cento!)
os “depois” nem podem ser tormento
se os “agoras” lhe derem boa ajuda.

“Cara feia” - sinal de enfermidade -
com certeza, costuma sobrepor
mais pesos aos obstáculos da idade.

"Alegre-se e sorria, por favor!
Um sorrisinho dá felicidade,
pois contagia e ativa o bom humor"

TARDE NEVOENTA... EM JULHO

Domingo sem ninguém...A casa está vazia.
O silêncio no horror persistente blasfema.
Quer se fazer ouvir. Ó tolo estratagema!...
Eu posso ouvi-lo bem, mas qual a serventia?

A solidão nem quer me servir como tema...
...e a tarde se espezinha imensamente fria...
Ó Tristeza, vem cá! Se queres companhia
ajuda-me a cerzir pedaços de um poema

Talvez assombrações que possuam prestígio
se queiram embutir em tercetos, com zelo,
para dar-lhe feições de soneto-prodígio.

Alguém se desmanchou em brumas do passado
e quer ressuscitar de cor, num atropelo.
Se lembrar é viver, eu devo estar errado.
=
Fonte da Imagem = Libreria Fogola Pisa (Facebook)

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