Há muito inglês já defunto,
Canning, Peel e consortes,
Que são o perpétuo assunto
Da eloquência e seus transportes.
Cada ano que passa, deixa
Nos anais parlamentares,
Entre um ataque e uma queixa,
Esses nomes singulares.
Assim, posto que vivamos
À moda francesa, é certo
Que todos imaginamos
Estar dos ingleses perto.
Vede, por exemplo, os nomes
Dos que escrevem de política;
Não são Barros, não são Gomes,
Nomes de fama somítica.
Entre um Guizot e um Horácio,
Quantos Walpoles fecundos!
Pobre Gália! Pobre Lácio!
Britânia é mundo entre mundos.
E, na verdade, a Inglaterra
Tem de sobra exemplos grandes
Para ensinar toda a terra,
Do Cáucaso até os Andes.
Hão de dizer, com justiça,
Que até aqui tenho usado
O latim da velha missa,
Já sabido e decorado.
Que sou vulgar como um bule
De botequim, — como um homem
Que, perdendo ontem na pule,
Narra as dores que o consomem;
Vulgar como um par de botas
Rotas e desengraxadas,
Vulgar como as quatro sotas,
Copas, ouro, paus e espadas.
Muito bem; mas, tendo em vista
Embora a vulgaridade
Procurar alguma pista,
Por onde ache a realidade,
Li agora um documento,
Circular de candidato,
Feita com discernimento,
Bom estilo, ameno e grato.
Tão grato, que pede o voto
Como um favor, e confessa
Que, vencido o terremoto,
Fará que jamais o esqueça.
Que seja novo não digo,
Nem novo, nem menos raro;
É costume um pouco antigo,
Vulgar, sem ofensa e caro.
Pois o eleitor, de outro lado,
Não faz favores à toa,
Quer ser mui cumprimentado
Em palavras e em pessoa.
Há tal que o votinho nega
A gente que o não visite,
Não que queira ver se emprega
Bem a cédula que emite,
Perguntando ao candidato
Qual a escola que mais usa,
Se a de um governo barato,
Se a do que gaste e produza;
Não, senhor; mas tão somente
Para ouvir cousinhas finas,
E mostrar a sua gente,
A esposa, a sogra e as meninas.
Ouvir que a filha terceira
Há de ser uma figura
Como a segunda e a primeira,
Modelos de formosura,
Ouvir um bom elogio
À laranjinha da casa;
Dar notícia de algum tio,
Que perdeu na ilha Rasa.
Ver que o candidato mira
De quando em quando a poltrona,
Em que se alarga e se estira,
Gesto de louvor que a abona.
Se há tais entre os eleitores,
E pedes, ó candidato,
Como o favor dos favores,
O voto, e lhes ficas grato,
Para que tantos ingleses,
Que dormem nas sepulturas,
Virem bailar tantas vezes
Nas nossas legislaturas?
Nacionalizemos isto.
Queres citar? Cita, cita
Nome cá nascido e visto.
Deixe o Pitt; cita o Pitta!
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Canning, Peel e consortes,
Que são o perpétuo assunto
Da eloquência e seus transportes.
Cada ano que passa, deixa
Nos anais parlamentares,
Entre um ataque e uma queixa,
Esses nomes singulares.
Assim, posto que vivamos
À moda francesa, é certo
Que todos imaginamos
Estar dos ingleses perto.
Vede, por exemplo, os nomes
Dos que escrevem de política;
Não são Barros, não são Gomes,
Nomes de fama somítica.
Entre um Guizot e um Horácio,
Quantos Walpoles fecundos!
Pobre Gália! Pobre Lácio!
Britânia é mundo entre mundos.
E, na verdade, a Inglaterra
Tem de sobra exemplos grandes
Para ensinar toda a terra,
Do Cáucaso até os Andes.
Hão de dizer, com justiça,
Que até aqui tenho usado
O latim da velha missa,
Já sabido e decorado.
Que sou vulgar como um bule
De botequim, — como um homem
Que, perdendo ontem na pule,
Narra as dores que o consomem;
Vulgar como um par de botas
Rotas e desengraxadas,
Vulgar como as quatro sotas,
Copas, ouro, paus e espadas.
Muito bem; mas, tendo em vista
Embora a vulgaridade
Procurar alguma pista,
Por onde ache a realidade,
Li agora um documento,
Circular de candidato,
Feita com discernimento,
Bom estilo, ameno e grato.
Tão grato, que pede o voto
Como um favor, e confessa
Que, vencido o terremoto,
Fará que jamais o esqueça.
Que seja novo não digo,
Nem novo, nem menos raro;
É costume um pouco antigo,
Vulgar, sem ofensa e caro.
Pois o eleitor, de outro lado,
Não faz favores à toa,
Quer ser mui cumprimentado
Em palavras e em pessoa.
Há tal que o votinho nega
A gente que o não visite,
Não que queira ver se emprega
Bem a cédula que emite,
Perguntando ao candidato
Qual a escola que mais usa,
Se a de um governo barato,
Se a do que gaste e produza;
Não, senhor; mas tão somente
Para ouvir cousinhas finas,
E mostrar a sua gente,
A esposa, a sogra e as meninas.
Ouvir que a filha terceira
Há de ser uma figura
Como a segunda e a primeira,
Modelos de formosura,
Ouvir um bom elogio
À laranjinha da casa;
Dar notícia de algum tio,
Que perdeu na ilha Rasa.
Ver que o candidato mira
De quando em quando a poltrona,
Em que se alarga e se estira,
Gesto de louvor que a abona.
Se há tais entre os eleitores,
E pedes, ó candidato,
Como o favor dos favores,
O voto, e lhes ficas grato,
Para que tantos ingleses,
Que dormem nas sepulturas,
Virem bailar tantas vezes
Nas nossas legislaturas?
Nacionalizemos isto.
Queres citar? Cita, cita
Nome cá nascido e visto.
Deixe o Pitt; cita o Pitta!
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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