Não neguei Bahia ou Minas,
Nem nunca fora capaz
De negar Crato ou Campinas...
Neguei, é certo, Goiás.
Pois que Goiás eu supunha
Uma simples convenção,
Sem existência nenhuma,
Menos inda que ilusão.
E achava uma prova disto
Naquele caso sem par,
Nunca dantes, nunca visto,
Nem por terra nem por mar:
O caso do presidente
Que por dez anos ficou
Presidenciando... Ó gente!
Dez anos! Quem tal sonhou?
Dez meses, vá; é costume,
E ninguém pode exigir
Que um homem perca o chorume
A trabalhar e a delir...
Ou, se é lícito em matéria
De tanta ponderação
Tão avessa ao chasco e à léria,
Ter alguma opinião,
Digo que nem dez semanas...
Dez dias podia ser.
Traduziria em bananas
O chegar, ver e vencer.
Não se impõe aos nossos climas
Ars longa... É abreviar,
Como eu abrevio as rimas;
Não coser, alinhavar.
Quem podia, em nossa terra,
A não ser entre galés,
Como os comuns de Inglaterra?
Trabalhar dez horas, dez?
Os nossos comuns gastaram
Três dias em eleger
Mesa e comissões; e andaram
Perfeitamente, a meu ver.
Não vamos crer, porque temos
Sistema parlamentar,
Que só copiar devemos
Os costumes de além-mar,
Mas, voltando à vaca fria...
Que vaca? Onde íamos nós?
Que diabo é que eu dizia?
A digressão, vício atroz.
Não era a dívida, creio,
Lamberti chamada, uns mil
Contos de papo e recheio,
Contos ou contões com til.
Também não era o desfalque
Do Recife... ai, uma flor
De esperanças... ai, não calque,
Não calque nisso, leitor!
Eu, que tinha o meu bilhete,
Pronto para enriquecer,
Estou como se um cacete
Me houvesse dado a valer.
Mas, com todos os diabos,
Que era então? Não eras tu,
Nariz dos grandes nababos;
Nem tu, céu de Honolulu.
Ah! Goiás... Goiás existe;
E tanto que, a vinte e dois
De março, saiu um triste
E longo bando de grous,
Como os de que fala o Dante,
Que van cantando lor lai;
Mas cá o pio ora ovante,
Era só: quebrai, quebrai!
Um dos grous é delegado,
Outros dizem que juiz;
E tudo foi arrasado,
Ou ficou só por um triz.
Defuntos, lavras do Abade,
Mulheres, que ora gemeis
De dor e necessidade,
Justiça esperar deveis.
Mas eu daquela ocorrência
Tiro uma lição vivaz:
Goiás tem certa a existência,
Goiás existe, Goiás.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Nem nunca fora capaz
De negar Crato ou Campinas...
Neguei, é certo, Goiás.
Pois que Goiás eu supunha
Uma simples convenção,
Sem existência nenhuma,
Menos inda que ilusão.
E achava uma prova disto
Naquele caso sem par,
Nunca dantes, nunca visto,
Nem por terra nem por mar:
O caso do presidente
Que por dez anos ficou
Presidenciando... Ó gente!
Dez anos! Quem tal sonhou?
Dez meses, vá; é costume,
E ninguém pode exigir
Que um homem perca o chorume
A trabalhar e a delir...
Ou, se é lícito em matéria
De tanta ponderação
Tão avessa ao chasco e à léria,
Ter alguma opinião,
Digo que nem dez semanas...
Dez dias podia ser.
Traduziria em bananas
O chegar, ver e vencer.
Não se impõe aos nossos climas
Ars longa... É abreviar,
Como eu abrevio as rimas;
Não coser, alinhavar.
Quem podia, em nossa terra,
A não ser entre galés,
Como os comuns de Inglaterra?
Trabalhar dez horas, dez?
Os nossos comuns gastaram
Três dias em eleger
Mesa e comissões; e andaram
Perfeitamente, a meu ver.
Não vamos crer, porque temos
Sistema parlamentar,
Que só copiar devemos
Os costumes de além-mar,
Mas, voltando à vaca fria...
Que vaca? Onde íamos nós?
Que diabo é que eu dizia?
A digressão, vício atroz.
Não era a dívida, creio,
Lamberti chamada, uns mil
Contos de papo e recheio,
Contos ou contões com til.
Também não era o desfalque
Do Recife... ai, uma flor
De esperanças... ai, não calque,
Não calque nisso, leitor!
Eu, que tinha o meu bilhete,
Pronto para enriquecer,
Estou como se um cacete
Me houvesse dado a valer.
Mas, com todos os diabos,
Que era então? Não eras tu,
Nariz dos grandes nababos;
Nem tu, céu de Honolulu.
Ah! Goiás... Goiás existe;
E tanto que, a vinte e dois
De março, saiu um triste
E longo bando de grous,
Como os de que fala o Dante,
Que van cantando lor lai;
Mas cá o pio ora ovante,
Era só: quebrai, quebrai!
Um dos grous é delegado,
Outros dizem que juiz;
E tudo foi arrasado,
Ou ficou só por um triz.
Defuntos, lavras do Abade,
Mulheres, que ora gemeis
De dor e necessidade,
Justiça esperar deveis.
Mas eu daquela ocorrência
Tiro uma lição vivaz:
Goiás tem certa a existência,
Goiás existe, Goiás.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Nenhum comentário:
Postar um comentário