quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sonetos Satíricos III

AMADEU AMARAL (SP)

Um fidalgo na neblina


Uma noite, a vagar entre a neblina,
Enxergo um vulto sobranceiro e nobre,
Que de um gabão romântico se cobre
E sob um largo feltro a testa empina.

Nem a chuva a cair faz que se dobre,
Nem à rajada mais cruel se inclina.
Avanço; e, no halo de um lampião de esquina,
Vejo de perto meu fidalgo: é um pobre...

Dou-lhe uma esmola e sigo. Continua
Pisando a lama parda o Cavaleiro,
Na praça morta, sob o céu sem lua...

E eis como um triste, amargado e esquivo,
Com um pouco de distância e de nevoeiro,
Pode passar por um fidalgo altivo.

LISINDO COPPOLI (SP)

Arte moderna

(a propósito da I Bienal, em 1951)

Leonardo?!... Rafael?!... Tenham paciência!
Tudo isso não passa de bobagem.
Dom Ciccillo andou bem: teve a coragem
De acabar de uma vez co'a decadência.

A pintura moderna é arte e ciência
Das mais sublimes, pois não tendo imagem
Nem natureza morta nem paisagem,
Mais que aos sentidos, fala à inteligência.

E convém dizer isso: uma obra-prima
Das mais modernas fica muito acima
Das antigas por mais esta razão:

Que, sendo um quadro, p'ra gozar-lhe o efeito
Pode-se pendurar de todo jeito:
É a mesma coisa em qualquer posição.

MOACIR PIZA (SP)

O Botelho


Alto, ossudo, feioso; bigodeira
Farta, cobrindo a boca desdentada,
Onde fizeram túmulo, ou morada,
O Despropósito, a Tolice e a Asneira.

Cara de esbirro, amarelenta, ornada
De chato narigão, que tudo cheira;
Mole pelanca, à guisa de papeira;
Cabeça de urubu, cheia de... nada.

Olhar inexpressivo; gesto brusco;
Pirrônico, turrão, todo arrelia;
Rindo, — apavorador; sério, — patusco.

Eis o que refletira um bom espelho,
Se diante dele se postasse um dia
O papão da Estatística — o Botelho.

RAIMUNDO CORREIA
(Raymundo da Motta de Azevedo Corrêa)
São Luis/MA (1859 – 1911) Paris/França

HÓS! E AIS!

(sobre a Garota de Ipanema)

Há um certo Demócrito que chora
Vendo-a e há muito poeta que se enleia;
E um, cujo nome não me vem à idéia,
Vive a rondar a casa em que ela mora.

Até o santo apóstolo anda fora
De si e do jornal, pela sereia:
Adorou-a o Fontoura, eu adorei-a,
E o Filinto de Almeida inda hoje a adora.

Quando ela passa, abre o Silvestre a boca
E o Luís suspira as formas dela vendo
Amplas, redondas, fartas, sensuais.

Hós de espanto e ais de dor ela provoca,
Mas entre os ais e os hós passa, fazendo
Tanto caso dos hós como dos ais.

RAIMUNDO CORREIA

À mesa da gazetilha

[desafio de Correia a Lopes Cardoso]

O Maia, o Ramos, o Cardoso, o Lemos
E eu — da mesa em redor estamos;
E vários livros sobre vários ramos
Da ciência, em frente, sobre a mesa, temos.

Mas livros tão insípidos não lemos
Nós: eu, Lemos, Cardoso, Maia e Ramos;
Porquanto às letras só nos dedicamos
E só às letras nos dedicaremos.

Prosa-se. Ramos diz: "Como é grandioso
Um poema!" — Lemos diz: "Nada há que atraia
Mais que um fino dito espirituoso!"

"Mas eu prefiro um 'calembour'!" (diz o Maia)
Desmaia! É tua vez, Lopes Cardoso!
Tens a palavra! O 'calembour' que saia!

RESPOSTA DE LOPES CARDOSO

Eu e o Lemos, e o Raimundo, o Ramos...
Urramos? Isso não! apenas lemos
Lemos (o João de), que em frente temos,
E os seus versos piegas criticamos.

D'estrofe em estrofe, a chalaçar, erramos,
E Ramos, o Raimundo, o próprio Lemos...
São o diabo! uns verdadeiros demos,
Com cujos ditos gargalhadas damos!

Quanto deles o espírito eu invejo!
São inacompanháveis no gracejo,
Na pilhéria sutil, no calemburgo!

Eles, nas suas frases põem a gala
Da fina graça, que na Corte cala,
Eu, na chalaça, que só cala em burgo!

Fontes:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/satirico.htm
Imagem = Libreria Fogola Pisa (Facebook)

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