domingo, 19 de janeiro de 2014

Beatriz Alcântara (Vizinhança)

Na varanda do sétimo andar, o cão, patas apoiadas no parapeito, olha o nevoeiro. O dono, a seu lado, fuma cigarro após outro fitando o horizonte. Manhã de sol, o homem abre a porta da varanda num elegante pólo, penteado com gel, pendura meticulosamente a roupa no varal. O cão, focinho fora da balaustrada, observa a rua que jamais frequenta. Dia inteiro de calor, o animal e seu senhor, sempre muito bem vestido, olham com melancolia o pôr-do-sol num céu
laranja como brasa sobre nuvens em carneirinhos. Natal, duas mulheres, uma marcadamente mais nova, aparecem por instantes na varanda, olham os arredores e logo fecham a porta ao vento e ao frio. Pela Páscoa, a Judiciária entra e sai, sem demora, do prédio. O homem vem à janela e prega nos vidros um papel, "Vende-se". Pouco depois a mulher jovem encosta o carro à porta do prédio e o indivíduo, acompanhado pelo fiel animal, entra na viatura seguindo rua afora. Mas tarde, a porteira avisa ao carteiro, terminou a prisão domiciliar do doutor.

Fonte:
REBRA

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