terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Sonetos Satíricos II

HERMES FONTES (SE)

A Pulga


Um sinalzinho preto em teu colo de neve:
Examino se é próprio, ou fingido a nanquim...
Mas o pontinho escuro anima-se; e, ágil, breve,
Salta aqui, salta ali e vem pousar em mim.

Sinto-o no corpo: o inseto, a mais e mais se atreve.
Põe-me um ardor de urtiga em cada poro, e, assim,
Fervo e salto, eu também... Ao seu contato, leve,
A epiderme é um incêndio, o sangue é um torvelim.

É uma pulga! Tirou-me o bom humor e o agrado!
— Serena perfeição em que a gente se julga,
Morre num sopro: é grão de pó, miga qualquer...

Quanto orgulho se tem despido e desmanchado,
Por um nada, um nadinha, uma pulga!? É que a pulga
Em astúcia é igual à raposa e à mulher...

MARIANO MELGAR (PERU)

Para que serve a mulher?


Não nasceu a mulher para querida,
Por esquiva, por falsa, por mudável;
E como é bela, fraca, miserável,
Não nasceu para ser aborrecida.

Não nasceu p'ra que seja submetida,
Visto ser de caráter indomável;
Como a prudência é nela inevitável,
Não nasceu para ser obedecida.

Como é fraca, não pode ser solteira;
Como é infiel, não pode ser casada;
Mudável, não é fácil que bem queira.

Não sendo para amar, nem ser amada,
Nem p'ra vassala, nem para primeira,
Não serve, finalmente, para nada.
(tradução Idel Becker)

MEDEIROS E ALBUQUERQUE (PE)

Só a morte...


"Se me desdenhas, sinto que faleço,
De nada mais pode servir-me a vida;
De ti e só de ti me vem, querida,
Todo o alento vital de que careço.

Só a morte é possível, se perdida
Eu vir tua afeição. Nenhum apreço
Darei a tudo mais, se o que mereço
É teu desprezo, em paga à minha lida."

Ela não respondeu... Por fim, notando
Que contra a sorte é inútil que se teime
Resolvi não morrer. E tão tranqüilos

Foram os meus dias, que eu me rio quando
Penso no que ontem vi: ontem pesei-me
E achei, num mês, que eu engordei três quilos!

VICENTE DE CARVALHO (SP)

Inteiramente louco


Senhora minha, pois que tão senhora
Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo
Que sorrindo negais quanto, gemendo,
Amor com os olhos rasos d'água implora.

Meu coração, coitado, não ignora
Que num sonho bem vão todo o dispendo
E é sem destino que assim vai correndo
Cansadamente pela vida afora.

Dizeis do meu amor que é coisa absurda,
E ele, teimando, faz ouvido mouco;
Nem há razão que o desvaneça ou aturda.

Não o escutais? Nem ele a vós tampouco.
Que, se sois surda, inteiramente surda,
Amor é louco, inteiramente louco.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/satirico.htm
Imagem - Libreria Fogola Pisa (Facebook)

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