Rosa de Malherbe, ó rosa
Velha como as botas velhas,
Que foste grata e cheirosa,
E ora desprezada engelhas;
Rosa de todos os vasos,
De todas as mãos humanas,
Trazida a todos os casos,
Com lírios e com bananas;
Rosa trivial e chocha,
Pior que as mal fabricadas,
Menos que rosa, uma trouxa
De folhas esfarrapadas,
Não por má, não que não prestes,
Não que não sejas ainda
A mesma rosa que deste
Vida e cor à estrofe linda,
Mas porque é nosso costume,
Se achamos um dito a jeito
Tirar-lhe todo o chorume
Até deixá-lo desfeito.
Às vezes, menos que um dito,
Uma locução somente,
Um verbo novo ou bonito,
Pelintra ou cousa decente...
Vagabundo é que não anda;
Terá tanto e tanto emprego
De salão ou de quitanda
Que nunca achará sossego;
Até que lá vem um dia,
Em que o infeliz surrado,
Gasto, podre, sem valia,
Ao lixo é abandonado.
Lá vou eu buscar-te, ó rosa
De Malherbe; é necessário
Fazer citação dengosa
Num caso extraordinário.
Não o caso pavoroso
Do sindicato, alta e baixa.
Negocio tão ponderoso
Que acabou quebrando a caixa.
Demais, ouço tais notícias,
Tantas cousas segredadas,
Que só pegando em milícias
Para rimar com pancadas.
Posto que essa rosa bela
Viveu, como as outras rosas,
Um dia, e sem mais aquela
Perdeu as folhas viçosas.
Não trato dessa, mas trato
Da rosa legislativa,
Nascida sem aparato,
Morta quando apenas viva.
Foi o senador Uchoa
Que lhe deu vida e nascença,
Pareceu-lhe a idéia boa,
Propô-la sem mais detença.
Em verdade, não contava
Ninguém com tal aditivo;
Foi como uma vaca brava
Ao pé de um par pensativo.
De mais a mais, sem discurso,
Modesto, calado e manso;
Mal comparando, era um urso
Metido em pernas de ganso.
Urso, embora parecesse
Ao golpe das mãos humanas,
Podia ser que vivesse
Uma, duas, três semanas.
Era vir, tambor à frente,
Polcando ao som de rabeca,
Lançando ao ar, como gente,
Foguete, bomba ou peteca.
Menos de um mês viveria;
Mas, surgindo assim calado,
Viveu apenas um dia,
Foi morto e foi sepultado.
Lá que mais tarde apareça
Em forma de idéia nova,
E que outrem se desvaneça
De o passar por outra prova,
De maneira que essa rosa,
Que foi rosa e que foi urso,
Ganso e vaca furiosa,
Passe a sol nalgum discurso,
Não me espantará. Comigo
Uma só cousa há que espante:
Se desta vez a não digo
É falta de consoante.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Velha como as botas velhas,
Que foste grata e cheirosa,
E ora desprezada engelhas;
Rosa de todos os vasos,
De todas as mãos humanas,
Trazida a todos os casos,
Com lírios e com bananas;
Rosa trivial e chocha,
Pior que as mal fabricadas,
Menos que rosa, uma trouxa
De folhas esfarrapadas,
Não por má, não que não prestes,
Não que não sejas ainda
A mesma rosa que deste
Vida e cor à estrofe linda,
Mas porque é nosso costume,
Se achamos um dito a jeito
Tirar-lhe todo o chorume
Até deixá-lo desfeito.
Às vezes, menos que um dito,
Uma locução somente,
Um verbo novo ou bonito,
Pelintra ou cousa decente...
Vagabundo é que não anda;
Terá tanto e tanto emprego
De salão ou de quitanda
Que nunca achará sossego;
Até que lá vem um dia,
Em que o infeliz surrado,
Gasto, podre, sem valia,
Ao lixo é abandonado.
Lá vou eu buscar-te, ó rosa
De Malherbe; é necessário
Fazer citação dengosa
Num caso extraordinário.
Não o caso pavoroso
Do sindicato, alta e baixa.
Negocio tão ponderoso
Que acabou quebrando a caixa.
Demais, ouço tais notícias,
Tantas cousas segredadas,
Que só pegando em milícias
Para rimar com pancadas.
Posto que essa rosa bela
Viveu, como as outras rosas,
Um dia, e sem mais aquela
Perdeu as folhas viçosas.
Não trato dessa, mas trato
Da rosa legislativa,
Nascida sem aparato,
Morta quando apenas viva.
Foi o senador Uchoa
Que lhe deu vida e nascença,
Pareceu-lhe a idéia boa,
Propô-la sem mais detença.
Em verdade, não contava
Ninguém com tal aditivo;
Foi como uma vaca brava
Ao pé de um par pensativo.
De mais a mais, sem discurso,
Modesto, calado e manso;
Mal comparando, era um urso
Metido em pernas de ganso.
Urso, embora parecesse
Ao golpe das mãos humanas,
Podia ser que vivesse
Uma, duas, três semanas.
Era vir, tambor à frente,
Polcando ao som de rabeca,
Lançando ao ar, como gente,
Foguete, bomba ou peteca.
Menos de um mês viveria;
Mas, surgindo assim calado,
Viveu apenas um dia,
Foi morto e foi sepultado.
Lá que mais tarde apareça
Em forma de idéia nova,
E que outrem se desvaneça
De o passar por outra prova,
De maneira que essa rosa,
Que foi rosa e que foi urso,
Ganso e vaca furiosa,
Passe a sol nalgum discurso,
Não me espantará. Comigo
Uma só cousa há que espante:
Se desta vez a não digo
É falta de consoante.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Nenhum comentário:
Postar um comentário