Meu Octaviano amigo,
Que idéia foi essa vossa
De deixar que o inimigo
Inda uma vez ganhar possa?
Ruim verso, mas aí fica;
Pior que fosse, ficara;
Não há rima bela ou rica;
Brilhante, sólida ou rara,
Quando o espírito, pasmado,
Mal sabe o que vai dizendo...
E eu sinto-me apatetado
Ante esse conselho horrendo.
Sim, eu penso com Malvino
Que as abstenções são fatais.
É este o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Pois não há aí três pessoas...
Digo mal, duas somente,
Sinceras, válidas, boas,
Que lutem proximamente?
Que é a vida? Uma batalha,
Tiro ao longe, espada à cinta;
Para os barbeiros, navalha;
Para os escritores, tinta;
Para os candidatos, cédula.
Quantas vezes tenho visto
Confessar a gente incrédula
Que não soube atentar nisto!
Sim, eu penso com Malvino
Que as abstenções são fatais;
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Eu, em rapaz, era dado
Às moças! Lembra-me que uma
Tinha o corpo bem talhado
E olhos feito verruma.
Olhos tais que penetravam
Na gente, em reviradela;
E muitos moços sangravam
Da marcenaria dela.
Quis ver se era amado. Um tio,
Fazendo por dissuadir-me,
Andava num corrupio,
E eu firme, três vezes firme.
Sempre entendi com Malvino
Que as abstenções são fatais.
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
E notem a coincidência;
Essa moça, esse pecado
Tinha a sua residência
Mesmo à rua do Senado.
E notem mais que não era
Uma cadeira, mas duas...
Camões, que falou da hera,
Meta aí palavras suas.
Confesso que, ao recordá-la,
Sinto em mim tais pensamentos,
Que era capaz de arrancá-la
A cinco ou seis regimentos.
Nisto entendo, com Malvino,
Que as abstenções são fatais.
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Lutei muito. Ela fechava
Muitas vezes a janela,
Quando eu por ali passava
Para ver o rosto dela.
Outras vezes devolvia
Cartas escritas com sangue...
Lembra-me uma, que dizia:
“Anjinho meu, não se zangue,
“Se passo por sua casa;
Menos ainda, se temo
Em alimentar a brasa
Deste fogo em que me queimo.
“Que eu penso, como Malvino,
Que as abstenções são fatais;
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais”.
E o certo é que fiz tanto,
Tanto andei por essa rua,
Gemi, gemi tanto canto,
Sem lua, e ainda mais com lua,
Que a moça, de compassiva,
Escutou meus ais tristonhos
E pegou da pena esquiva,
Para responder-me aos sonhos.
“Sei que és coração perfeito,
Que me amas e que não cansas.
Mando-te aqui do meu peito,
Não amor, mas esperanças...
“Crê, amigo, com Malvino,
Que as abstenções são fatais.
E' esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Que idéia foi essa vossa
De deixar que o inimigo
Inda uma vez ganhar possa?
Ruim verso, mas aí fica;
Pior que fosse, ficara;
Não há rima bela ou rica;
Brilhante, sólida ou rara,
Quando o espírito, pasmado,
Mal sabe o que vai dizendo...
E eu sinto-me apatetado
Ante esse conselho horrendo.
Sim, eu penso com Malvino
Que as abstenções são fatais.
É este o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Pois não há aí três pessoas...
Digo mal, duas somente,
Sinceras, válidas, boas,
Que lutem proximamente?
Que é a vida? Uma batalha,
Tiro ao longe, espada à cinta;
Para os barbeiros, navalha;
Para os escritores, tinta;
Para os candidatos, cédula.
Quantas vezes tenho visto
Confessar a gente incrédula
Que não soube atentar nisto!
Sim, eu penso com Malvino
Que as abstenções são fatais;
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Eu, em rapaz, era dado
Às moças! Lembra-me que uma
Tinha o corpo bem talhado
E olhos feito verruma.
Olhos tais que penetravam
Na gente, em reviradela;
E muitos moços sangravam
Da marcenaria dela.
Quis ver se era amado. Um tio,
Fazendo por dissuadir-me,
Andava num corrupio,
E eu firme, três vezes firme.
Sempre entendi com Malvino
Que as abstenções são fatais.
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
E notem a coincidência;
Essa moça, esse pecado
Tinha a sua residência
Mesmo à rua do Senado.
E notem mais que não era
Uma cadeira, mas duas...
Camões, que falou da hera,
Meta aí palavras suas.
Confesso que, ao recordá-la,
Sinto em mim tais pensamentos,
Que era capaz de arrancá-la
A cinco ou seis regimentos.
Nisto entendo, com Malvino,
Que as abstenções são fatais.
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Lutei muito. Ela fechava
Muitas vezes a janela,
Quando eu por ali passava
Para ver o rosto dela.
Outras vezes devolvia
Cartas escritas com sangue...
Lembra-me uma, que dizia:
“Anjinho meu, não se zangue,
“Se passo por sua casa;
Menos ainda, se temo
Em alimentar a brasa
Deste fogo em que me queimo.
“Que eu penso, como Malvino,
Que as abstenções são fatais;
É esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais”.
E o certo é que fiz tanto,
Tanto andei por essa rua,
Gemi, gemi tanto canto,
Sem lua, e ainda mais com lua,
Que a moça, de compassiva,
Escutou meus ais tristonhos
E pegou da pena esquiva,
Para responder-me aos sonhos.
“Sei que és coração perfeito,
Que me amas e que não cansas.
Mando-te aqui do meu peito,
Não amor, mas esperanças...
“Crê, amigo, com Malvino,
Que as abstenções são fatais.
E' esse o melhor ensino
Em cousas eleitorais.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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