Agora, sempre que por aí se fala de literatura nacional, diz-se que ultimamente há grande desfalecimento entre os escritores brasileiros e que diminui o numero de volumes publicados, e que só se escreve sobre finanças e sobre política.
É exato. Mas a culpa não é dos escritores; é das dificuldades que se apresentam hoje em dia para realizar a publicação de qualquer trabalho. A falecida baronesa de Mamanguape levou os seus últimos anos de vida a publicar; na casa Pinheiro, um volume de versos, que nunca veio à luz e lhe abreviou naturalmente os dias de existência.
Aluízio Azevedo, tem há quase ano e meio, um volume de contos a publicar-se na casa Mont'Alverne, hoje Companhia Editora; e, apesar de haver pago adiantado a primeira folha de composição, ainda não teve o prazer de ver uma página impressa do seu livro; outros e outros homens de letras queixam-se de iguais contrariedades, e não é natural que alguém se disponha a escrever com boa vontade, tendo uma obra encalhada no prelo.
Repetimos: a culpa não é de quem escreve; a culpa é dos que imprimem. Hoje, no Rio de Janeiro, dar um livro à publicidade é quase tão difícil como viver, ou talvez mais ainda, se atendermos ao que por aí vai pelas tipografias e casas editoras.
É que no Rio de Janeiro atualmente, ninguém quer trabalhar. A febre do jogo, criada desde o ministério Ouro-Preto e desenvolvida depois pela revolução, o desespero de enriquecer forte e rapidamente, o desalento causado pelos graves prejuízos trazidos pelo descalabro de companhias, que eram a grande esperança dos ambiciosos; tudo isso transformou a maior parte da população fluminense num infernal bando de jogatineiros decavés, doidos perdidos, furiosos, desanimados, sem vintém e sem ânimo para o mais insignificante trabalho honesto.
Vai-se a uma tipografia para imprimir uma obra. Aparece-nos o dono da casa, triste, desorientado, pensando nas suas tantas mil ações sem valor, e ouve-nos distraidamente, sem conseguir ligar importância ao trabalho que lhe encomendamos; e, quando lá voltamos, o homem já nem se lembra do que lhe dissemos a primeira vez.
Mas, se apesar de tudo, a encomenda fica feita, por um preço paradoxal, e tornamos lá para ver as provas, ai! que triste espetáculo nos espera! Cada tipógrafo é também uma vítima da bolsa; cada tipógrafo tem em casa, inúteis como um baralho de bilhetes brancos de loteria, unia infinidade de títulos de companhias arrebentadas.
E, macambúzio, dedos enterrados no cabelo, cotovelos fincados na caixa de composição, cada desgraçado desses olha sonambulamente para os tipos empastelados, mortos, emudecidos e cobertos de pó, e não encontra em si coragem para compor um paquet.
Compor! Trabalhar! Para quê?... Para receber uma soldada que, com os preços atuais do pão, mal chega para não morrer de fome?... Ganhar 5$000 por dia, quando, se não rebentasse tal companhia ou banco tal, deveríamos empolgar 300 ou 400 contos?... Não! definitivamente não há valor de homem capaz de ir até lá!
E o tipógrafo, convencido de que não vale a pena trabalhar tão resignadamente para ganhar tão pouco, faz como a maior parte dos operários, toma o chapéu, despede-se da casa em que está empregado, e sai de cabeça baixa e o coração encharcado de desalento; vai pedir dinheiro emprestado a um amigo, ou empenhar alguma joiazinha da mulher, para correr à roleta, que nada mais e do que a caricatura da bolsa; a roleta a ultima esperança de lucro rápido; a roleta, donde o infeliz nunca mais voltará ao trabalho e à dignidade da vida, porque a engrenagem daquela máquina infernal jamais largou a presa que lhe caiu nos dentes!
E diz o dono da tipografia, quando o autor vai à vigésima vez, pelas provas do seu pobre livro:
- Vê, meu caro senhor?... Estou sem gente!... Os operários foram-se todos! Estou disposto a pagar o duplo do que pagava dantes, mas ninguém aparece! E se isto continua assim - fecho a porta!
E a verdade inteira é que este dono de tipografia está morrendo por fazer como fez o tipógrafo: correr à roleta! Correr à tavolagem!
E lá, em volta dos malditos trinta e oito números, de 0O a 36, ou à música implacável do Trente et quarente irá ele encontrar como em uma praia de desilusão todos esses náufragos da megalomania, arrojadas à casa do jogo pelas ondas do oceano da bolsa.
Todos lá vão ter, desde o assombroso titular até o magro poeta, que interrompeu os estudos, para meter-se no ensilhamento. Banqueiros, doutores, funcionários públicos, artistas, caixeiros, todos, todos!
Triste e desconsoladora romaria que só tem uma fé - ganhar. Só tem uma esperança - levar a banca à glória.
Todos e tudo lá vão ter à praia da tavolagem. Sim, meus senhores, aqueles belos carros, aqueles cavalos de raça, aqueles diamantes, tudo isso rolará para sempre na areia e, com os tipos da composição e com as páginas, os poetas e prosadores.
O Combate, 2 de março de 1892.
Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura
É exato. Mas a culpa não é dos escritores; é das dificuldades que se apresentam hoje em dia para realizar a publicação de qualquer trabalho. A falecida baronesa de Mamanguape levou os seus últimos anos de vida a publicar; na casa Pinheiro, um volume de versos, que nunca veio à luz e lhe abreviou naturalmente os dias de existência.
Aluízio Azevedo, tem há quase ano e meio, um volume de contos a publicar-se na casa Mont'Alverne, hoje Companhia Editora; e, apesar de haver pago adiantado a primeira folha de composição, ainda não teve o prazer de ver uma página impressa do seu livro; outros e outros homens de letras queixam-se de iguais contrariedades, e não é natural que alguém se disponha a escrever com boa vontade, tendo uma obra encalhada no prelo.
Repetimos: a culpa não é de quem escreve; a culpa é dos que imprimem. Hoje, no Rio de Janeiro, dar um livro à publicidade é quase tão difícil como viver, ou talvez mais ainda, se atendermos ao que por aí vai pelas tipografias e casas editoras.
É que no Rio de Janeiro atualmente, ninguém quer trabalhar. A febre do jogo, criada desde o ministério Ouro-Preto e desenvolvida depois pela revolução, o desespero de enriquecer forte e rapidamente, o desalento causado pelos graves prejuízos trazidos pelo descalabro de companhias, que eram a grande esperança dos ambiciosos; tudo isso transformou a maior parte da população fluminense num infernal bando de jogatineiros decavés, doidos perdidos, furiosos, desanimados, sem vintém e sem ânimo para o mais insignificante trabalho honesto.
Vai-se a uma tipografia para imprimir uma obra. Aparece-nos o dono da casa, triste, desorientado, pensando nas suas tantas mil ações sem valor, e ouve-nos distraidamente, sem conseguir ligar importância ao trabalho que lhe encomendamos; e, quando lá voltamos, o homem já nem se lembra do que lhe dissemos a primeira vez.
Mas, se apesar de tudo, a encomenda fica feita, por um preço paradoxal, e tornamos lá para ver as provas, ai! que triste espetáculo nos espera! Cada tipógrafo é também uma vítima da bolsa; cada tipógrafo tem em casa, inúteis como um baralho de bilhetes brancos de loteria, unia infinidade de títulos de companhias arrebentadas.
E, macambúzio, dedos enterrados no cabelo, cotovelos fincados na caixa de composição, cada desgraçado desses olha sonambulamente para os tipos empastelados, mortos, emudecidos e cobertos de pó, e não encontra em si coragem para compor um paquet.
Compor! Trabalhar! Para quê?... Para receber uma soldada que, com os preços atuais do pão, mal chega para não morrer de fome?... Ganhar 5$000 por dia, quando, se não rebentasse tal companhia ou banco tal, deveríamos empolgar 300 ou 400 contos?... Não! definitivamente não há valor de homem capaz de ir até lá!
E o tipógrafo, convencido de que não vale a pena trabalhar tão resignadamente para ganhar tão pouco, faz como a maior parte dos operários, toma o chapéu, despede-se da casa em que está empregado, e sai de cabeça baixa e o coração encharcado de desalento; vai pedir dinheiro emprestado a um amigo, ou empenhar alguma joiazinha da mulher, para correr à roleta, que nada mais e do que a caricatura da bolsa; a roleta a ultima esperança de lucro rápido; a roleta, donde o infeliz nunca mais voltará ao trabalho e à dignidade da vida, porque a engrenagem daquela máquina infernal jamais largou a presa que lhe caiu nos dentes!
E diz o dono da tipografia, quando o autor vai à vigésima vez, pelas provas do seu pobre livro:
- Vê, meu caro senhor?... Estou sem gente!... Os operários foram-se todos! Estou disposto a pagar o duplo do que pagava dantes, mas ninguém aparece! E se isto continua assim - fecho a porta!
E a verdade inteira é que este dono de tipografia está morrendo por fazer como fez o tipógrafo: correr à roleta! Correr à tavolagem!
E lá, em volta dos malditos trinta e oito números, de 0O a 36, ou à música implacável do Trente et quarente irá ele encontrar como em uma praia de desilusão todos esses náufragos da megalomania, arrojadas à casa do jogo pelas ondas do oceano da bolsa.
Todos lá vão ter, desde o assombroso titular até o magro poeta, que interrompeu os estudos, para meter-se no ensilhamento. Banqueiros, doutores, funcionários públicos, artistas, caixeiros, todos, todos!
Triste e desconsoladora romaria que só tem uma fé - ganhar. Só tem uma esperança - levar a banca à glória.
Todos e tudo lá vão ter à praia da tavolagem. Sim, meus senhores, aqueles belos carros, aqueles cavalos de raça, aqueles diamantes, tudo isso rolará para sempre na areia e, com os tipos da composição e com as páginas, os poetas e prosadores.
O Combate, 2 de março de 1892.
Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura
Imagem de Aluizio Azevedo, por William Medeiros
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