Parece que há divergências
Entre câmara e senado;
Comparam-se as influências,
Fala-se em patriciado.
Soube disso ultimamente
Pelas folhas... Pelas folhas
Sabe tudo toda a gente,
Votos, lãs, óbitos, rolhas.
E, antes de ir ao parlamento,
Direi que soube por elas
Negócio de algum momento,
De varões e moças belas.
Li que uma sociedade,
Sociedade Protetora
Dos Animais da cidade
(Ó minha Nossa Senhora!)
Ia dissolver-se, e dava
A razão do ato; era, em suma,
Que nenhum esteio achava
Nas leis nem em parte alguma.
Ora, eu que me ri, há meses,
De vê-la, toda capricho,
Falar de si muitas vezes
E mui rara vez de um bicho,
Injusto fui. Ora o vejo,
E confesso os meus remorsos.
Não fiz justiça ao desejo
Dela nem aos seus esforços,
Nem também principalmente
À sua audácia provada
De falar do bruto à gente,
Sem ser para bordoada.
Cuidar de cães... Ter piedade
De um triste e magro orelhudo,
Que arrasta pela cidade
Carroça, este mundo e tudo;
Isto a sério, isto sem medo
Do riso de outras pessoas;
Fazer disto ofício ledo,
Pôr isto entre as ações boas;
Quando é certo que cachorro,
Nem burro, cavalo ou gato,
Não sabem de tal socorro,
Nem dão charanga ou retrato;
Trabalhar sem recompensa
Imediata e tangível,
Não é de gente que pensa,
É maluquice visível.
Entretanto, a sociedade,
Depois de pensar uns dias,
Fica, e não se persuade
Que entra em baldadas porfias.
Baldadas e generosas...
Fique-lhe este prêmio, ao menos:
Espalha as mãos dadivosas
Aos pequenos mais pequenos.
Mas, voltando à vaca fria:
Li que a câmara conhece
No senado a primazia,
E se dói, e se aborrece.
Não tédio em dar, a ponto
De brigar abertamente;
Faz com tristeza o confronto
Sem magoar a outra gente.
Quando muito, ouve calada,
Alguma palavra nua,
E confessa encalistrada
Que ou cede ou vai para a rua.
Busca-se agora um remédio,
Alguma cousa que faça
Cessar esse amargo tédio...
Aqui lh'o trago de graça.
Deu-m'o um espírito agudo,
Que também é deputado,
Varão conspícuo e sisudo,
Não sei se desanimado.
Droga fácil e sumária,
Que não traz dor, mas delícia;
É fazer da temporária
Uma cousa vitalícia.
Então, sim; iguais as damas,
Serão iguais os vestidos,
Iguais as perpétuas chamas
Nos peitos endurecidos.
Não respondi à pessoa
Que isto me dizia, nada;
Se a idéia é ruim ou boa,
Aí a deixo estampada.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Entre câmara e senado;
Comparam-se as influências,
Fala-se em patriciado.
Soube disso ultimamente
Pelas folhas... Pelas folhas
Sabe tudo toda a gente,
Votos, lãs, óbitos, rolhas.
E, antes de ir ao parlamento,
Direi que soube por elas
Negócio de algum momento,
De varões e moças belas.
Li que uma sociedade,
Sociedade Protetora
Dos Animais da cidade
(Ó minha Nossa Senhora!)
Ia dissolver-se, e dava
A razão do ato; era, em suma,
Que nenhum esteio achava
Nas leis nem em parte alguma.
Ora, eu que me ri, há meses,
De vê-la, toda capricho,
Falar de si muitas vezes
E mui rara vez de um bicho,
Injusto fui. Ora o vejo,
E confesso os meus remorsos.
Não fiz justiça ao desejo
Dela nem aos seus esforços,
Nem também principalmente
À sua audácia provada
De falar do bruto à gente,
Sem ser para bordoada.
Cuidar de cães... Ter piedade
De um triste e magro orelhudo,
Que arrasta pela cidade
Carroça, este mundo e tudo;
Isto a sério, isto sem medo
Do riso de outras pessoas;
Fazer disto ofício ledo,
Pôr isto entre as ações boas;
Quando é certo que cachorro,
Nem burro, cavalo ou gato,
Não sabem de tal socorro,
Nem dão charanga ou retrato;
Trabalhar sem recompensa
Imediata e tangível,
Não é de gente que pensa,
É maluquice visível.
Entretanto, a sociedade,
Depois de pensar uns dias,
Fica, e não se persuade
Que entra em baldadas porfias.
Baldadas e generosas...
Fique-lhe este prêmio, ao menos:
Espalha as mãos dadivosas
Aos pequenos mais pequenos.
Mas, voltando à vaca fria:
Li que a câmara conhece
No senado a primazia,
E se dói, e se aborrece.
Não tédio em dar, a ponto
De brigar abertamente;
Faz com tristeza o confronto
Sem magoar a outra gente.
Quando muito, ouve calada,
Alguma palavra nua,
E confessa encalistrada
Que ou cede ou vai para a rua.
Busca-se agora um remédio,
Alguma cousa que faça
Cessar esse amargo tédio...
Aqui lh'o trago de graça.
Deu-m'o um espírito agudo,
Que também é deputado,
Varão conspícuo e sisudo,
Não sei se desanimado.
Droga fácil e sumária,
Que não traz dor, mas delícia;
É fazer da temporária
Uma cousa vitalícia.
Então, sim; iguais as damas,
Serão iguais os vestidos,
Iguais as perpétuas chamas
Nos peitos endurecidos.
Não respondi à pessoa
Que isto me dizia, nada;
Se a idéia é ruim ou boa,
Aí a deixo estampada.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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