domingo, 26 de abril de 2020

Filemon F. Martins (Poemas Escolhidos) VII


A TERRA PROMETIDA

Parti buscando a Terra Prometida,
a Terra da fartura e da bonança
e procurei, sofrendo, pela vida,
a Canaã do Amor e da Esperança.

Transpus montanhas, vales e na lida
meu coração exausto sempre avança.
Jamais fiquei no chão e de vencida
minha busca não para e nem descansa.

Disposto a desvendar qualquer segredo,
venci mares, penhascos sem ter medo
de garranchos, juremas e cipós...

Mas quando chego ao fim desta corrida,
percebo que esta Terra tão querida,
está aqui, Brasil de todos nós!
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A VELHICE


A velhice chegou? Tudo termina?
Assim imaginei logo em seguida,
mas vejo que à distância descortina
uma esperança nova não vivida.

A idade traz canseira que domina,
o corpo fica lento e sem guarida,
não há força capaz, tudo se inclina
e se encaminha para o fim da vida.

Meu cérebro, porem, nunca se abate
e busca a primavera neste embate
que a vida experiente me legou.

E ao constatar que a vida continua
vibrante na paixão que se cultua,
parece que a velhice não chegou!
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A VOZ DO TEMPO

O tempo vai levando cruelmente
vidas, amores, glórias e venturas.
Dissabores espreitam lá na frente
e os sonhos viram pó e desventuras.

Ao procurar motivo que contente
um coração cansado das agruras,
minha oração se eleva docemente
e busca a paz que desce das alturas.

Mas o tempo não para e nem descansa,
não permite sequer uma esperança
que me deixe mudar o itinerário...

Impossível fugir do meu destino
já traçado, talvez, desde menino:
- levar sozinho a cruz do meu calvário!
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BUSCA

Quando a noite chegou apresentando a lua,
uma brisa soprou trazendo o teu perfume,
meu coração buscou, feliz, a imagem tua,
mas não estavas lá, daí o meu queixume.

E desde então, tristonha a vida continua
à procura de luz, buscando novo lume
que possa conduzir a nau que já flutua
no tenebroso mar que a vida se resume.

Eu já perdi o rumo e não sou mais criança
para viver submisso em troca da esperança
de te reencontrar, quem sabe, qualquer hora.

Tarde demais. O tempo passa cruelmente
levando a vida, o amor, a paz, deixando a gente
nesse vazio pesado e triste que apavora!
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CONFIDENTE

Velho mar, meu eterno confidente,
quantas vezes chorei ao confessar:
esta mágoa que fere, inconsequente,
e o tempo que não pode mais voltar.

E me dizes, então, naturalmente;
só o amor é capaz de me curar,
enquanto tuas ondas, mansamente,
os meus pés, com carinho, vem beijar,

Exerces sobre mim grande fascínio,
porque tens sobre todos o domínio
e és tão frio nas tuas mutações.

Ao contrário de ti, eu sofro tanto,
e fico aqui a derramar meu pranto,
onde sepulto as minhas ilusões!
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NA PRAIA

Caminho, sem destino, pela praia,
— por que me fere a solidão assim?
Percebo que à distância o sol desmaia
talvez, para esconder o amor de mim.

O mar, aos prantos, seu furor ensaia
mostrando seu poder quase sem-fim,
mas vou partindo sem que a noite caia
enquanto as ondas fazem seu motim.

Minhas marcas se perdem lá na areia,
porque depois com força a maré-cheia
vem e apaga as pegadas que deixei...

Também a minha sorte me maltrata
como a maré que passa, a vida ingrata
vai apagando tudo o que sonhei!
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O GRITO DO POETA

No meu viver de cidadão, proscrito,
carrego a dor imensa do Universo.
Meu canto desolado traz, aflito,
as tristezas do mundo controverso.

De desespero clamo, sofro e grito,
tudo em vão, pois o povo está imerso
na inércia poética do mito,
— não compreende mais o que é perverso.

A Esperança se esvai a cada aurora,
o poder corrompido se agiganta,
parece não haver outra saída...

Meu protesto, em verdade, não tem hora,
minha voz, do poeta ainda espanta
os vendilhões da Pátria adormecida!

Fonte:
Filemon Francisco Martins. Anseios do coração. São Paulo: Scortecci, 2011.
Livro enviado pelo poeta.

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