sábado, 4 de abril de 2020

J. G. de Araújo Jorge (O Canto da Terra) 6


FILOSOFIA

O Homem tem que ser contraditório
se o mesmo homem que ri
é o mesmo homem que chora,
se o mesmo homem que odeia
é o mesmo homem que adora...

O Homem tem que ser contraditório
se em seu próprio destino a sua própria vida
se contradiz,
- se o que hoje é tédio, ontem foi prazer, foi gozo,
se isto que agora o faz sentir-se venturoso
é o mesmo que depois vai torná-lo infeliz!

Destino glorioso
ou talvez, destino inglório,
- neste mundo incoerente, absurdo, assombroso,
o homem tem que ser contraditório…
- - - - - –

FILOSOFIA PERFEITA

Primeiro
eu queria dobrar as curvas de todos os caminhos,
e soltar os meus olhos livres
pelo mistério de todas as florestas
pela distância de todos os horizontes
e do cimo de todas as montanhas...

Depois,
abrir serenamente os braços coo aquele louco
lírico e profundo,
o mais louco e o mais lírico do mundo,
- e dizer para os homens que ficaram la embaixo
a amargurar os seus destinos:

- " deixai vir a mim os pequeninos..."

E finalmente, eu queria
como aquele gênio que desceu da montanha,
a montanha mais alta e mais estranha,
- fugir dos homens, da vida,
volver os olhos pra trás,
- e a sombra das ramagens da árvore do silêncio
provar o fruto do sonho, e beber a água pura e bendita,
da paz!
- - - - - –

FUTURO
      (A Pedro do Couto Filho)
  
Era após a última guerra...

O homem vestido de preto da cabeça aos pés
parecia que estava de luto, e falava aos fiéis
como há mil anos faz:

- "que enfim possa a hecatombe ter servido
de experiência aos homens,
e que esta tenha sido a última guerra,
e no futuro os homens vivam em paz!"...
..........................

No dia de Natal, a criança órfã dizia à mãe
ainda desconsolada:

- quero que pai Noel
traga do céu, um tambor... e uma espada!
- - - - - -

HINO 
   (A Renato Homem)
  
Quisera que meus braços fossem extensos e infinitos como os horizontes
para abraçar todas as terras.

Meu coração universal conhece todos os idiomas, e os meus
olhos trouxeram a cor dos mares
que contornam todos os países...

Meus pés não distinguem no atrito das terras as diferenças de raças
e as minhas mãos não distinguem no aperto de outras mãos
as diferenças de cores

Meus pés só distinguem os caminhos ásperos dos caminhos suaves
e as minhas mãos só distinguem as mãos rudes que trabalham
das mãos macias que vegetam...

Quisera abrir os braços e envolver todas as terras e todas as pátrias
e ensinar a todos os homens que a luz vem de um único sol
e que o amor deve unir todas as mãos ásperas
para que todos os caminhos sejam suaves…
- - - - - –

HUMANIDADE
    (A Ema Santandreu Morales)
  
Os homens me ensinaram a matar
foram eles que me deram a arma de dois gumes
do pensamento...

Os homens me tornaram um criminoso
e eu hoje me sinto
como se meu cérebro fosse o esquife do último deus...

Os homens me ensinaram a pensar
e eu assassinei o último deus
com a lâmina aguda do meu pensamento
friamente...

Agora os homens me perseguem
covardemente...
- - - - - –

HUMANISMO
    (A Romain Rolland) 
Fale ele italiano, russo ou japonês,
alemão
ou chinês,
se lhe estenderes franca e livremente a mão:
- será teu irmão!

Fale ele português, inglês ou castelhano,
tenha nascido na Ásia, África, Oceania
ou seja americano,
se ao seu lado estiveres na hora do perigo:
- será teu amigo!

Fale ele italiano, russo ou japonês,
francês
ou o idioma que for,
se a tomares nos braços e beijar-lhe a boca:
- será teu amor!

Mas... pode ele nascer até na tua casa,
ter teu sangue nas veias
morar mesmo contigo
partilhando uma herança ou disputando um bem:
será teu inimigo!
.........................

Volta, pois,, para o teu lar, para o teu campo,
teu escritório ou tua oficina,
e larga essa arma assassina
que te trará remorsos, ou quem sabe? - horror
- e vive em paz com o teu trabalho, com teus amigos,
com o teu amor!

E vê se agora não erras ...
Tens a chave que explica o segredo de todas
as guerras!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. O Canto da Terra. 1945.

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