Há muitas coisas que a psicologia não nos explica. Suponhamos que você esteja em um 12.º andar, em companhia de amigos, e, debruçando-se à janela, distinga lá embaixo, inesperada naquele momento, a figura de seu pai, procurando atravessar a rua ou descansando em um banco diante do mar. Só isso. Por que, então, todo esse alvoroço que visita a sua alma de repente, essa animação provocada pela presença distante de uma pessoa da sua intimidade? Você chamará os amigos para mostrar-lhes o vulto de traços fisionômicos invisíveis: "Aquele ali é papai". E os amigos também hão de sorrir, quase enternecidos, participando um pouco de sua glória, pois é inexplicavelmente tocante ser amigo de alguém cujo pai se encontra longe, fora do alcance do seu chamado.
Outro exemplo: você ama e sofre por causa de uma pessoa e com ela se encontra todos os dias. Por que, então, quando esta pessoa aparece à distância, em hora desconhecida aos seus encontros, em uma praça, em uma praia, voando na janela de um carro, por que essa ternura violenta dentro de você, e essa admirável compaixão?
Por que motivo reconhecer uma pessoa ao longe sempre nos induz a um movimento interior de doçura e piedade?
Às vezes, trata-se de um simples conhecido. Você o reconhece de longe em um circo, um teatro, um campo de futebol, e é impossível não infantilizar-se diante da visão.
Até para com os nossos inimigos, para com as pessoas que nos são antipáticas, a distância, em relação ao desafeto, atua sempre em sentido inverso. Ver um inimigo ao longe é perdoá-lo bastante.
Mais um caso: dois amigos íntimos se veem inesperadamente de duas janelas. Um deles está, digamos, no consultório do dentista, o outro visita o escritório de um advogado no centro da cidade. Cinco horas da tarde; lá embaixo, o tráfego estridula; ambos olham distraídos e cansados quando se descobrem mutuamente. Mesmo que ambos, uma hora antes, estivessem juntos, naquele encontro súbito e de longe é como se não se vissem há muito tempo; com todas as graças da alma despertas, eles começam a acenar-se, a dar gritos, a perguntar por gestos o que o outro faz do outro lado. Como se tudo isso fosse um mistério.
E é um mistério.
Fonte:
Paulo Mendes Campos. O Cego de Ipanema. RJ: Ed. do Autor, 1961.
Nenhum comentário:
Postar um comentário