Um velho e uma velha, numa noite de frio, de muito frio mesmo, quando os animais se extanguiam em suas tocas, e o vento descabelava as árvores, sentaram-se diante de um bom fogo de lenha, na taipa do fogão.
Sentaram-se e ficaram. Não conversavam, pois não tinham assunto. Pouco saíam de casa, não trabalhavam, a não ser na sua rocinha, não frequentavam a casa dos outros, não liam jornais, nem livros, nem iam ao cinema, nem a teatro, não viajavam. Portanto, não tinham assunto. Deixaram-se estar muito calados, espiando as alegres labaredas, e esfregando de vez em quando as mãos engelhadas (envelhecidas). Foi ficando tarde, e eles não se animavam a ir para a cama, onde não se aqueceriam os seus velhos ossos, por falta de cobertores. Havia mais: a cabana tinha frinchas por todos os lados. Somente diante do fogo estavam bem. E assim foram ficando.
Já fazia muitas horas que estavam calados, olhando o fogo. A lenha se consumiu, no lugar das chamas ficou um brasido (grande quantidade de brasas) vermelho, alegre, com uns estalidos frequentes, o ar acima dele cintilava, relumeava, parecia vivo, o fogo era como um duendezinho que segredava coisas.
Sentiram fome. O velho olhava desconsolado do brasido para o fumeiro, onde não se pendurava nem um triste pedaço de chouriço. A velha seguiu-lhe o olhar e pôs em palavras o pensamento de ambos:
- Que bom, se caísse nesse brasido um pedaço bem grande de linguiça de carne de porco, temperada com uma pimentinha do reino e alho e cebola. E caindo, começasse a chiar, estalando, o cheiro se espalhando pela casa inteira. Ai, como havia de ser delicioso comê-la!
Nessa hora, os anjos do céu estavam dizendo amém. No mesmo instante caiu na brasa, tal como a velha dissera, um pedaço bem grande de linguiça de porco. Grossa, gordurenta, os pedaços de toucinho aparecendo, através da tripa fina, transparente, bem curada e seca. A linguiça se retorcia, assando, e o cheiro se espalhou, de bom tempero e de vianda (carne) curtida como se deve. Engoliam os velhos em seco, antegozando o momento de manducar (comer) o bom-bocado, quando o velho se lembrou de uma coisa em que ainda não pensara. Com efeito, se o pedido de linguiça fora tão prontamente atendido, um outro pedido, de dinheiro, por exemplo, seria atendido no momento, do mesmo modo.
– Estúpida – rosnou para a mulher. – Pedir linguiça. Bem se vê que você nasceu pobre, num monte de lixo. Por que não pediu riqueza, não pediu joias, não pediu dinheiro? Por que?
A velha se encolheu:
- Que sabia eu de pedidos? Como podia adivinhar que… que…
- Estúpida – tornou a gritar o velho, exasperado. - Sabe o que eu queria?
E antes de raciocinar, levado pela raiva, formulou o segundo desejo:
- Que essa linguiça saísse das brasas e se pendurasse no seu nariz!
O pedaço de linguiça deu um volteio, subiu e, diante do velho estupefato, grudou-se ao nariz da mulher.
– Uai! – berrou a mulher.
Agarrou-se à linguiça com as duas mãos, puxou, o velho foi ajudá-la.
– Aiaiaiaiaiai! Ai ai!
Puxa que puxa, a linguiça nada de sair.
A velha, desesperada, gritou:
- Eu quero já já, que essa linguiça…
- Não! – gritou o marido, tapando-lhe a boca com a mão. – Não. Vamos pedir uma coisa mais valiosa. Mulherzinha do meu coração! Deixa a linguiça aí, que não está incomodando tanto. Vamos pedir uma bonita casa.
– Não! – berrava a velha.
– Então um terreno com um formoso lago no centro.
– Não.
– Então uma arca cheia de moedas de ouro.
– Não e não.
Aproveitando-se de um momento em que o marido se distraiu e não teve tempo de lhe tapar a boca, ela falou, depressa:
- Quero que se desprenda do meu nariz essa linguiça.
E assim, viram eles satisfeitos os seus três desejos.
Fonte:
Ruth Guimarães. Lendas e Fábulas do Brasil. 1964.
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