IMORTALIDADE
(A Joaquim Ribeiro)
E a pedra veio rolando da montanha para o lago...
Depois as ondas foram crescendo,
crescendo e diminuindo
até que morreram na imobilidade
da água que parou dentro de si mesma...
Eu vi no espelho do lago a face do Tempo...
Vi homens caindo como pedras
e ouvi ruído de quedas!
E compreendi, olhando os círculos que se formaram
e se apagaram,
a efêmera ilusão dos homens e das pedras
que imaginam deixar sobre a face das águas
ondulações eternas, que se ampliam...
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Pedra que vem rolando e para o fundo vai,
eu sei bem que só existe uma imortalidade:
a da face que ri
quando uma pedra cai!...
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LIBERDADE
( A Galdino do Vale Filho)
A liberdade é o meu clarim de guerra
e eu sou, no meu viver amplo e sem véus,
- como os caminhos soltos pela terra!
- como os pássaros livres pelos céus.
Ela é o sol dos caminhos ! Ela é o ar
que os enche os pulmões! É o movimento!
Traz num corpo irrequieto como o mar
uma alma errante e boêmia como o vento !
Minha crença, meu Deus, minha bandeira !
Razão mesma de ser do meu destino !
- Há de ser a palavra derradeira
que há de aflorar-me aos lábios como um hino !
Liberdade ! Alavanca de montanhas !
Aureolada de louros ou de espinhos
há de cingir-me a fronte nas campanhas!
- há de ferir-me os pés pelos caminhos!
Sinto-a viva em meu sangue palpitando
seja utopia ou seja ideal, - que importa?
- quero viver por esse ideal lutando !
- quero morrer, - se essa utopia é morta!
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MAQUIS
(Aos que ontem, e aos que hoje ainda, na França, ou em qualquer parte do mundo lutam contra as mais diversas formas de opressão)
Quando a morte chegou com seu hálito ardente
secando a terra, e enchendo a terra de terror
no recesso dos chãos, vigilante e impotente,
enterraste contigo o teu ódio criador!
Lá em cima, era o inimigo... o bárbaro invasor...
a massacrar teu pouco impiedosamente!
E tu, vivo, a sofrer, como a raiz que sente
o golpe que mutila e mata a flor!
A flor da liberdade em mil golpes ferida
renascendo ao milagre da força e da vida
e a se multiplicar, - primavera de horror!
Desafiando imortal a fúria e a prepotência
a ensanguentar, florindo, os chãos da "resistência"
do "humus" do ódio gerando as árvores do amor!
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MEDALHAS
Foi só quando ele voltou que procurou trocar as medalhas que recebera...
Ele julgava, ( na sua infinita crença e na sua infinita ingenuidade)
- que aquelas medalhas poderiam ser trocadas
por proteção e segurança para seus filhos
por pão e liberdade...
Foi só quando ele voltou, que compreendeu o engano de sua crença,
(ele que vinha sujo de sangue das profundezas do abismo!)
- porque se lembrou de perguntar se aquelas medalhas
fundidas ao calor e ao fogo das batalhas
teriam curso de paz,
e valeria a sua luta - a sua coragem, o seu heroísmo.
Reduzido à impotência, sem armas, sem trincheiras, e batalhas
sem estratégias e inimigo,
sem um companheiro no caminho,
- ele se viu sozinho,
e se sentiu sozinho...
E então, sim, compreendeu que devia começar
a sua verdadeira luta
a sua verdadeira guerra,
pelos seus filhos, pelo trabalho, pela sua terra!…
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MENSAGEM NO DIA DE NATAL
(A Raul Brandão)
I
Eu não penso nos heróis...
Eu não penso nos heróis, cujos nomes ficarão perpetuados
na História;
eu não penso nos heróis que ficarão como restos mutilados
das batalhas
e receberão medalhas
cobertos de glória;
eu não penso nos soldados que tiveram gestos ousados
e desprendidos,
e posaram anônimos para as futuras estátuas dos soldados
desconhecidos...
Eu penso é na juventude que se apaga como um meteoro
dentro da noite;
nos sábios do futuro que ficaram com os olhos vidrados e inertes,
e que não pensarão mais;
nos futuros artistas, que caíram de bruços com o coração na terra
e encontraram a paz;
penso neles, - os sábios, os cientistas, os escritores,
os artistas, os trabalhadores,
que nada mais criarão e nada mais farão
pela Civilização!
Eu penso é na dívida insolúvel e cada vez maior
de todas as guerras,
contra o progresso dos povos
contra a grandeza das terras!
II
Eu não ouço clarim...
Eu não ouço os clarins frenéticos, nem toques de vitória
pelos espaços;
eu não ouço os hinos marciais ou o rufar dos tambores
de roufenhos compassos;
eu não ouço os burras! os vivas! e as salvas das partidas
nem a algazarra das ruas trepidantes e em festa,
onde os soldados marchando - são como os rios que passam
numa calma triunfal
e as multidões assistindo - são como imensa floresta
gesticulando os seus galhos sob um vendaval!
Eu ouço, são os gemidos de todos os que caíram e ficaram abandonados
à própria sorte
e à espera da morte;
e o choro das crianças desprotegidas
que fugiram espavoridas,
sem rumo,
e dormirão no berço que as bombas abriram na terra
entre nuvens de fumo;
e os gritos de desespero das mães que mandaram os filhos à guerra
e que veem morrer os que ficaram;
eu ouço, é essa orquestração wagnérica, descomunal,
dos instrumentos humanos que a um só tempo vibraram
na sinfonia da dor universal!
III
Eu não vejo as ruas embandeiradas...
Eu não vejo as ruas embandeiradas, nem as fardas vistosas,
e os instrumentos brilhantes
passando,
nem as janelas cheias, e as varandas cheias, e as calçadas cheias,
e as flores que mãos nervosas estão jogando;
e os olhos que estão brilhando, e os risos que estão cantando,
e os entusiasmos, e as alegrias, e os cívicos escarcéus,
e as bandeiras cheias de vento que se desfraldam nos céus . . .
Eu não vejo e não leio as manchetes enormes dos jornais
que são as letras de um hino que a multidão entoa
esquecida da paz...
Eu vejo é a terra devastada, os céus turvos, retintos,
e os homens descompostos que ficaram com as vísceras à mostra
e servirão de pasto aos abutres famintos;
e os hospitais arrasados, e as escolas destruídas,
e as pontes desconjuntadas, e as estradas interrompidas,
e os corpos inocentes das crianças espalhados no chão
criminosamente,
como brotos arrancados à passagem de um tufão
inconsciente!
IV
Em verdade...
Em verdade eu não vejo as partidas entusiastas e as chegadas vitoriosas
vejo é a derrota irremediável de todos os que não voltaram
e a surpresa maior dos que se julgaram vencedores,
e atônitos e assombrados
entre escombros e horrores
descobriram que também foram derrotados!
Em verdade
eu não penso na Glória, penso na Humanidade!
E não ouço a letra dos hinos que vibram notas marciais...
Neste dia de Natal oh! companheiros do mundo! oh! companheiros cristãos!
Eu ouço é aquela voz que atravessou os séculos num grito fraternal
de paz:
- "Amai-vos uns aos outros! Sede irmãos!”
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. O Canto da Terra. 1945.
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