quarta-feira, 22 de abril de 2020

Luiz Otávio (Um Coração em Ternura…) 4


CADÊ?!

“Cadê o teu sorriso tão sadio?
E aquela gargalhada tão festiva,
Aonde está? Quem foi que t’a roubou?'

"Cadê aquela voz apaixonada,
que vivia cantando noite e dia?
Aonde está? Quem foi que t'a roubou?

"E aquele corpo esguio como um galgo,
de grande resistência e agilidade?"
Aonde está? Quem foi que t'o roubou?

— Eu tinha só vinte e um anos,
quando ela por mim passou...
... E levou tudo que eu tinha!
— Tudo a Doença me roubou!…
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CIÚMES...

"Bom dia!,.. Pode entrar Felicidade...
Faça de conta que este lar é seu...
Tem andado sumida, de verdade...
Enfim até que um dia apareceu..."

E ela envolvida numa claridade,
tão brilhante que até me entonteceu,
reparou tudo com curiosidade,
fitou-me muito... mas não se moveu...

Depois me perguntou com ar zangado:
"Quem é esta que vejo e vive agora,
constantemente assim sempre ao seu lado?!"

(Ela via a Saudade ao lado meu...)
E foi por isso só que foi se embora,
e para sempre desapareceu...
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NUVENS

("Dando sombra e consolo aos que padecem")
Olavo Bilac


Invejo muito — ó Nuvem — teu destino...
Pois a Vida tu vês de muita altura,
que o Mundo te parece pequenino
e nem sabes que existe a Desventura…

Pouco paras... e assim em desatino,
veloz te leva o Vento com loucura,
e em fuga tu constróis no Azul divino,
castelos de esquisita arquitetura...

Assim quero meus versos sem valia...
– Se alegres, que extasiem aos demais,
como nuvens brincando à luz do dia...

Se tristes, como nuvens que escurecem,
caiam do Céu, em chuva, nos trigais,
dando consolo e pão aos que padecem…
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TÉDIO

A tarde vai passando amarguradamente!
E tão longa ela está, tão escura e tão fria,
que congela também até a alma da gente,
tornando-a bem mais triste e lúgubre e vazia...

A tarde com certeza está também doente...
Pois eu lhe sinto bem toda a melancolia!
E as horas vão assim tão vagarosamente
que duas tardes sinto apenas num só dia...

Nestas tardes sem fim é que percebo então,
que sou bem semelhante a velho e escuro prédio,
abandonado ao mofo e eterna solidão...

– Nem mesmo o Amor "sequer me serve de remédio,
pois de Saudade e fel, encheu-me o coração,
tornando ainda maior este meu grande Tédio...
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VELA BRANCA AO CREPÚSCULO

No Horizonte cor de rosa,
num crepúsculo sem par,
como és triste, vela branca,
no verde-escuro do mar!...

Vais seguindo, tristemente,
lá longe... tão devagar...
— que não sei se estás mais perto,
do Céu azul ou do Mar...

Por que vais, ó vela branca,
neste lento deslizar ?!...
— Se a Saudade pesa tanto,
porque a foste carregar?!

Barco à vela, ao Sol poente...
Gaivotas longe a voar…
— Por que atrás de um quadro destes
veio o tédio se alojar?

Vem do Barco esta tristeza?!
Do Céu, da Tarde ou do Mar?…
— Vem de ti, oh! poeta triste…
Reflexos de teu olhar…

Fonte:
Luiz Otávio. Um coração em ternura…: poesias. RJ: Irmãos Pongetti, 1947.

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