QUEIXUME
No velho casarão, em vaga indiferença,
em tropeços, entrei, num passo muito lento,
minha alma, qual um cofre submerso, em descrença.
viu se apagar a luz de um canto fumarento...
Chorando das desgraças, a corroer-lhe a vida,
estava u'a mulher em trajes infelizes...
Seio dilacerado e a alma ressofrida,
nos braços seminus, extensas cicatrizes,..
Sentado num caixão, olhando-a, desprezada,
depois de apreciar a noite transitória,
e fitando, de perto, a triste desamada,
pedi que me contasse a vida, sua história...
Erguendo-se tristonha e chorosa, tão pálida,
declamou, devagar, uma canção silente:
"Senhor, já tive reino e, hoje, sou inválida,
de todos, esquecida, e agora, assim, doente...
"Senhor, eu fui mulher, em sublime honraria,
via-me, com respeito, a grande humanidade...
Eu fui, senhor, eu fui tua excelsa Poesia,
trovadora do Amor e da Felicidade...
"No século passado, em gala, nos salões,
por todos cortejada, eu fui primeira dama...
Mas tudo se acabou, vim parar nos porões,
por muitos profanada, ora vivo na lama...
"Carcomido o meu peito, nesta noite tétrica,
nada valho nas mãos dos que se acham artistas.
Outrora, tive rima; outrora, tive métrica.
Hoje, estou poluída, às mãos dos modernistas...
"Que me vale, na vida, o gozo de ilusões?
se mataram, sem pena, a minha fantasia...
Só no passado existo, em muitos corações,
num palpitar contínuo, em perene alegria...
"Se Castro Alves souber do meu triste poente,
por certo, há de chorar, lá no seu trono augusto…
Se Azevedo souber ficará descontente,
mesmo que inda voltasse à taberna, e a custo...
"Quando Bilac vir-me estendida na lousa,
o fulgente parnaso estará desolado...
Chamará o Casimiro, o dos Anjos e o Souza
e, aí, protestarão em canto apaixonado…
"De Campos viu-me, noite antiga do passado,
lacrimosa, em surdina — era um momento vário..
Quem dera que pudesse enviar um recado,
inda quando vivendo o brilhante Olegário...
"Ó tira-me, senhor, das horas malfadadas!
ó tira-me, senhor, desta ingente agonia!
e lança-me, eu te peço, ao longo das estradas,
para florir de novo a divina poesia..."
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DUELO COM O POETA
"Já cheguei, poeta louco, vou te levar
para amplidão nefasta da caverna!...
Os teus olhos irão lacrimejar
nas malvadezas da miséria eterna!
Quero é ver o teu corpo na tortura
do páramo infernal da desventura!"
"Eu quero te matar, poeta funéreo,
quero beber teu sangue e, enfurecida,
te transportar até o cemitério!
Supuseste tua alma era esquecida
e que a hora, por certo, não chegava,
de sangrar-te, com minha rubra clava?..."
- Cala-te, voz de campo funerário,
não receio o teu eco miserando,
nem teu brado de vulto sepulcrário,
nem teu clamor, este clamor nefando!
Cala-te, sussurrar mefistofélico,
meus nervos pra te ouvir já estão aptos!
Olha a distância, sou um arcangélico,
muito acima de vícios mentecaptos!
Ia alta a noite, e a treva, em seu segredo,
mostrando um vulto forte em exorcismo,
enchia-me de tremores e de medo,
de solidão, de dor, de misticismo...
(No destino de minha torpe vida,
nunca ouvi murmurar tão leve brisa...
E a barca do meu ser, tão comovida,
em proceloso mar é que desliza...)
Repercutia e já falava tudo...
E a voz, em convulsões, dentro em meu ego
e, lentamente, eu fui ficando cego,
e, lentamente, eu fui ficando mudo!,..
Não resisti, senhores, fui entregue
ás torpezas da minha negra sorte:
Se uma, angústia intensa me persegue,
muito mais me persegue a voz da morte!...
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CONVULSÕES MENTAIS
Por uma grande porta semi-aberta,
eu penetrei na casa da loucura...
A minha alma tristonha, já deserta,
retorcia-se de dor e de amargura...
O meu ser, em misterioso recoberto,
deitava-se no chão, em reservado…
A consciência era o oásis do deserto
e o coração, tugúrio infortunado...
Uma jovem na sala das misérias
se deitava num berço sem retoque...
E as algozes, mulheres deletérias,
aplicam-lhe na mente brutal choque...
No universo, inconsciente, em misticismo,
a moça, em transe, em vis crises frenéticas,
se torce nervosa, em seu paroxismo,
de convulsões tremendas, epilépticas...
Puseram-me na mesa do infortúnio
e me aplicaram as fatais descargas:
Minha mente tornou-se um plenilúnio
de coisas miserandas, mui amargas...
Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.
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