ANDERSON BRAGA HORTA
Os cães
A aurora flui do cântico dos galos,
aos poucos, salpicada de saliva.
No travesseiro sublunar da treva,
cobertos da orvalhada os cães dormitam.
Telúricos os cães, e quase humanos.
Inocentes infantes adormecidos
equipados de relva e de luar.
Dormem os cães. São belos no seu sono.
No ganirem dormidos obedecem
à voz rudimentar dos próprios sonhos.
Choram os cães na atávica lembrança
de remotas caçadas. Abandono.
Alguém ligou a máquina do dia.
Os cães despertam mastigando as luzes
que a pródiga manhã lhes põe nos olho
E ei-los felizes abanando as caudas,
sequer imaginando que fragrâncias,
que músicas pagãs deixam gravadas
na memória das frias madrugadas
de cães ladrando flores no silêncio.
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MAURÍCIO CARNEIRO
como os cães
pudera, sôfrego
perscrutar o chão
com as narinas
sentir o mundo
com o olfato
em ilações caninas
pudera, sábio,
perceber os odores
- de medo, raiva
cio e sina -
que vêm da brisa,
do suor, da urina
pudera, santo,
prescindir das palavras,
da verve e da voz
experimentar o cheiro do mundo
e na onisciência calar fundo
para nunca mais latirem vão
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CLÁUDIO FELDMAN
Au Au
"Cachorro que late não morde"
É um provérbio tão usado
Que não há ninguém que discorde:
Mas o cão conhece o ditado?
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DENIVALDO PIAIA
O cão
Na cena solitária de uma paisagem triste o cão se destaca.
Cabisbaixo, seguindo os passos de seu dono andarilho,
não se manifesta.
Simplesmente o acompanha, sem ser preciso obedecer.
O silêncio da natureza quebrado por carros e caminhões.
Todos passam e nada observam.
Os cães preferem companheiros de almas puras.
Por isso, as crianças, os mendigos, os simples...
Ainda bem.
Melhor que um cão que lhe segue
é um cão que lhe acompanha.
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CECY BARBOSA CAMPOS
barriga
para
cima
cachorro
pede
carinho
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ROBERTO MASSONI
Alegro
O cão reverencia o mar.
Ausculta a diária lição
da continuidade,
ondeia,
plena maré.
O cão é pura apreciação também,
como que celebrando
aquela porção intransponível
de sal - pois que ele não bebe,
nem compreende, mas delicia-se
do enigma, como se das ondas
ouvisse clara música,
o cão e o mar,
como se o mar compreendesse
sua dúvida, o mar e o cão,
inexistindo o mais.
O cão reverencia o mar.
Ao vê-los, pela tarde vazia,
em namoro e pactos, ambos,
indecifráveis;
sou tomado de súbita alegria,
e penso um poema
a cristalizar tal Elegia,
um poema silencioso como o cão.
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J. H. S. HENRIQUES
O Velho e o Cão
O cão dormitava e o velho
coroava moscas nas brumas de riachos perdidos
O cão sob o velho
compondo pradarias para morrer
de velho.
O cão no silêncio de ter um
corpo de goma
o velho empertigado de ter um corpo
um corpo só osso.
O velho deitava olhos mortiços
no coroar das moscas e das vespas,
O cão era uma coluna
de olhos móveis e corpo fixado.
Fontes:
Cabeça Ativa: revista lítero temática. Cães. S. Vicente/SP: n. 39. ano IX. nov. dez. jan 2017.
Imagem =http://www.wakabara.com/blog/cachorros-jogando-pquer-mas-isso-arte
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