- Que linda flor, almirante; e que perfume!
Foi assim que a linda viúva Dagmar Antunes recebeu, num arrulho gracioso, a florzinha alva, a mimosa estrelinha de neve, que o almirante Ribas destacara, gentil, da botoeira do seu "smoking" impecável.
- Dona Dagmar não conhece, porventura, a história desta flor? - perguntou, risonho, o velho marinheiro, tomando lugar ao lado da moça, no mesmo canapé.
E como a encantadora senhora lhe respondesse com o enigma de um sorriso, o almirante começou, falando-lhe quase ao ouvido:
- Para a primeira mulher, como a senhora sabe, a expulsão do Paraíso teve a importância de uma verdadeira calamidade. A maldição de Jeová tombava, principalmente, sobre ela, sobre o seu destino, sobre a sua felicidade na terra. Era ela que ia sofrer, dali em diante, as dores da multiplicação da espécie. Era sobre ela que iam recair as penas, os trabalhos, os cuidados da vida doméstica. Era sobre ela, em suma, que iam pesar as preocupações do vestuário, da mudança quotidiana da folha de parreira. E, por isso, era com o coração aos pedaços que ela ia deixar, para sempre, aquele abençoado domínio do Senhor.
Nesse ponto, fez pausa, olhou os dentes miudinhos da moça, que continuava a sorrir, e acrescentou, bordando a fabula:
- Expulsos do Éden, Adão e Eva baixaram a cabeça, e partiram, tristes, humildes, abatidos, para a horrível solidão do degredo. Assim, porém, que ultrapassaram os limites do grande jardim das delicias, nossa primeira mãe não pôde mais. Os lindos olhos umedeceram-se-lhe, como violetas tocadas de orvalho. E à medida que ela ia andando, iam as lágrimas caindo uma a uma, dos seus grandes olhos, assinalando, na areia, como pérolas do mesmo colar, as curvas do seu caminho. No dia seguinte, porém, ao amanhecer, o rosto da primeira mulher iluminou-se de uma divina felicidade: marcando os seus passos no Deserto, a areia aparecia semeada de florzinhas em forma de estrela, alvas como a inocência e cheirosas como o pecado!
Virou-se mais para a moça, e explicou:
- Foi assim, das lágrimas da mulher, que nasceram os jasmins!
E olhando-lhe nos olhos, com a voz trêmula:
- E foi nas pétalas dos jasmins, D. Dagmar, que Deus talhou os seus dentes!
Fonte:
conto XIV do livro de Humberto de Campos “A serpente de bronze”, publicado em 1925.
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