domingo, 26 de julho de 2020

Thalma Tavares (Poemas Avulsos) 2


AS HORAS ERMAS

Ah! solidão, como tu és danosa!...
Quando me cercas com o teu vazio,
minha alma triste, insone, pesarosa,
sofre de ausências neste quarto frio.

Estendo as mãos ao nada e desafio
a noite, que se adensa vagarosa
sobre o meu corpo tenso e erradio,
a se agitar na insônia insidiosa.

Não há ninguém em minhas horas ermas.
Apenas sombras do passado, enfermas,
povoam de saudade minhas noites.

E então maldigo a solidão das horas
e a chegada acintosa das auroras,
que me fustigam com seus mil açoites.
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PONTO DE VISTA

(Resposta à pergunta de Adélia Victória)

"Pode alguém ser feliz na mais completa paz?"
- Perguntas-me. Não sei, mas entendo que a vida
isenta de emoções ou de uma dor sofrida,
não é vida, é quimera, é comédia fugaz.

Eu posso ser feliz num turbilhão voraz,
ou infeliz na calma, às vezes conseguida
a golpes de renúncia ou paixão reprimida,
e viver na ilusão mentirosa e falaz.

Toda infelicidade e toda dor da gente
são frutos de quem vive egoisticamente,
negando ao coração a grandeza do amor.

Não pode ser feliz quem assim não entende.
Felicidade é luz que a gente mesmo acende
na lanterna da Paz de nosso interior.
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PECADOS

Eu tenho pecados, e muitos, não nego,
Só Deus é quem sabe das culpas que expio,
dos erros, das faltas que eu triste carrego,
que o sono me roubam, por noites a fio.

Porque aos teus braços me atiro, me entrego,
minha alma anda triste qual planta no estio.
Mas Deus é culpado, se não me fez cego
à rara beleza do teu corpo esguio.

Não sei de pecados, mais doces, mais quentes
que a luz de teus olhos, teus lábios ardentes,
que enchem minha alma de sol e calor.

Mas tenho certeza que os nossos pecados,
por muitos que sejam. Já estão perdoados,
pois não é pecado pecar por amor.
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QUIXOTE


Meu velho coração, que é solidário,
me faz ir por aí, doido e disperso,
sangrando os pés em rude itinerário,
para aplacar as dores do universo.

E penso que sou múltiplo e sumário,
que multidões eu trago no meu verso,
que às vezes sou Quixote temerário,
paladino do amor em sonho imerso.

Então desperto e vejo que me iludo,
mas faço do ideal o meu escudo
contra as tribulações do meu fadário.

E quando o coração bate mais forte,
eu decido enganar a minha sorte
e volto a ser Quixote doido e vário.
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SONETO DA AMIZADE
(Para Lisete, Delcy, Dorothy e Divenei)

Esta vida me deu grandes riquezas!…
Não me refiro a prata nem ao ouro,
mas a amigos que tive nas tristezas,
que são ainda o meu maior tesouro.

São amigos no incerto e nas certezas,
no efêmero e também no duradouro,
que sabem perdoar minhas fraquezas,
e rir, e ser, na dor, ancoradouro.

Assim, quando eu partir para o outro lado,
após pagar, talvez, algum pecado,
recobrarei a paz na consciência...

Mas lá, no Céu, serei quem nunca dorme,
só por velar, numa saudade enorme,
os amigos que fiz nesta existência.
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VIVANDEIRA

Assim que eu recolher a minha adaga,
quero te amar de todas as maneiras.
Mas se queres seguir-me nesta saga,
terás que costurar nossas bandeiras.

Ao aprender o amor das vivandeiras,
que engana a solidão e a dor afaga,
deves manter acesas as fogueiras
que o vento da incerteza sempre apaga.

Se a paz não se fizer nestas refregas,
eu te amarei no leito das macegas
que os céus reservam para o bom guerreiro.

Mas, se um dia cessar a hostilidade,
e se um de nós não morre de saudade
teremos por alcova o mundo inteiro.

Fonte:
Thalma Tavares. Alguns sonetos e sonetilhos. São Simão/SP, 2014.
Apostila enviada pelo poeta.

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