quinta-feira, 23 de julho de 2020

Sammis Reachers (5 Cartas em Versos)


CARTA À ÁRVORE

Torre transterna,
                          Transuterina
Verde malha de açambarcar
Estaca que a vida finca
Patamarizado playground,
                                    Estação clorofila
Biopilar da paz

Terramáter véu
Usina alquímica
A nutrir o sistema-Terra

Obrigado eternamente obrigado
Por alimentar-nos
De proteção e pão
Por verdecer para que não
                                          Ressecássemos
Nós vorazes algozes agradecemos
Por nos servir
De berço,
                 Púlpito
     E esquife

Perdoa-nos a nós os desgalhados entes
Nós a raça kamikaze de sem plumas
E sem clorofila
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CARTA AO CAFÉ


Café aroma de lar
Ritual, despedida de quem vai,
Abraço a quem retorna
Coffea arábica, Coffea canephora,
Coffea liberica, Coffea dewevrei

E as raças secretas de café

Cremes, bolos, infusões
Drinks, balas, canapés
Reversa marihuana
De santos, céticos e sahibs

Aqueduto tônico odoropulsante
Odoropulsar:
Café cuspidor de estrelas,
Regurgitador de luzes
Festim fenomenológico
Reserva moral da literatura

Sol do leite, do creme, do rum
Sol para tantas pressurosas luas
Centro da galáxia

Inimigo do deus do sono Oneiros,
Adversário do deus de gelo Ymir
Multilíngue deus de ébano & trópico

Licor laboral
Elixir de trevas luminosas
Rubro fruto de a noroeste
Do Eufrates e do Tigre
Último pomo a escapar do Paraíso
Antes de seu traslado
De volta ao seio de Deus

Orfeu negro, liquefeita
Cítara
Poema em estado tênsil
Combustível dos Napoleões
Comburente dos Quixotes

Aumente a pressão sanguínea
De nossas ideias,
Aqueça nossa tumultuosa
Solidão campestre ou citadina
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CARTA AO LIVRO DE BOLSO


Adolescido tomo
lanterna dos afogados

paraninfo da literatura
rancho da tropa, democrática
classe econômica
talismã, lítero muiraquitã iniciático

sustentáculo dos sebos, colecionário
de ceitils, centavos e xelins

Ingresso de matinê
na nau de Stevenson, na floresta
de London
na faiscante Paris espachim e amante
dos Dumas

condensário das imensidões
de Moby Dick ao pai Quixote

dramas d’antanho em prosa e papel jornal
poemas seletos lidos com lenta pressa
enquanto sacoleja o bonde ou o busão

lâmpada de celulose que exulta
na cama de solteiro do quartinho dos fundos
tanto te devemos, fiador dos desamparados
bengala dos moços, livro de bolso
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CARTA AOS PEDAGOGOS


A você, doador de sangue.
Que acredita nos pequenos inícios.
E se esmera nos processos, e vê ao longe
E no agora a colheita.
E vê perenidade na intermitência.

Você, alma grávida:
Beija-flor levando água
Para apagar o incêndio
Que na floresta dos homens grassa;
Salmão contra a corredeira,
Remando movido duma pulsão
Maior que seu pequeno corpo, urdida chama,
Flama & frêmito da expansão que o Conhecimento
- Este agridoce tutor - exige daqueles
Que o portam não na tumba cerebral,
Mas na cardíaca fornalha.

Guardião do Palácio de Tudo,
Cidadão matricial, apaziguador das gerações:
Nós te celebramos.
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CARTA AOS ANTOLOGISTAS


Deus é o códice e a logosfera
Donde todo verbo emana:
A você, pequeno livro de DNA,
Cabe adentrar as bibliocatedrais,
Abrir os outros livros em sua fonte,
Esposar em luz a profusão de periódicos,
Os homens e(m) suas memórias;
Mergulhe, vá!, polígamo pária,
No Oceano de Papel do qual
Você é o mais propício nauta;
Execute seu trabalho
Como compilador.

Revista-se de anonimato
Para celebrar os Nomes luminosos;
Você é o cobrador de impostos
Da sabedoria humana,
E o seu mais fiel e abnegado tributário.

Sua psicanálise é clara:
Sofre da pulsão de abarcar.
Sua sociologia é a mais chã e nua:
Todo antologista é um civilizador,
Um amigo do Homem.

“Não há limites para o fazer livros”,
E você, muar cargueiro de Gutenberg,
Entendeu exato que, logo,
Não há força que lhe impeça.
O muito estudo, enfado da carne
Que a muitos bem-intencionados
Amolece, você pisoteia
Com as botas de seu pragmatismo,
Pois mortificar a carne
É a sua ascese.

Fonte:
Versos enviados pelo poeta.

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