sexta-feira, 17 de julho de 2020

Cláudio de Cápua (Meu Vizinho)


Nasci na década de quarenta, tempo em que se nascia em casa. Entrei neste mundo num dia glorioso, oito de março, Dia Internacional da Mulher, no bairro de Indianópolis, na av. Inajá, hoje Lavandisca. O bairro agora tem outro nome, o do seu antigo ponto de bonde, Moema.

Lá morava gente famosa como seu Hugo Gemignani, amansador de onça das expedições do sertanista Orlando Villas--Bôas, Henrique Novak, futuro editor da Página do Livro, do Diário Popular, o locutor esportivo José Geraldo Almeida, a humorista Nhá Barbina, Narciso Vemise (O homem do tempo), o casal de artistas Rosa Maria Murtinho e Mauro Mendonça, Helene Elfride (Geórgia Gomide), Hélio Ansaldo, Alvarenga, da famosa dupla caipira, e até o gordo Jô Soares morou lá na Al. Jauaperi. Tivemos até uma rainha, a menina Sílvia, hoje soberana da Suécia, mas também tivemos um rei que era meu vizinho, "O Rei das Rosas".

Romeu Edwiges e Francelina, sua esposa, mineiros de Jacutinga. Ela, a bondade em forma de gente, ele, sempre alegre, bom papo e, talvez por não terem filhos, davam muita atenção a mim e ao meu irmão Beto.

Embora Romeu e Francelina fossem funcionários do estado de Minas, lotados num departamento na Pauliceia, tinha ele alma de artista, tocava violino, tecia tapeçaria, e, numa técnica toda sua, esculpia tipos populares de sua infância em cimento, que hoje estão ornando recantos de sua terra natal.

Seu forte, porém, era o cultivo de roseiras com dezenas de pés plantados. O jardim central tinha formoso pé de oliveira, que dava frutos, rodeada de roseiras "príncipe negro", e os canteiros laterais explodiam em rosas de cores variadas.

Um dia, Francelina, já com idade avançada, partiu para outra dimensão, deixando triste o alegre Romeu. O tempo passa e consola e ele continuou a cuidar de suas rosas. Por contingências da vida, hoje Romeu, a caminho dos noventa e sete anos, mora em Arujá entre gente amiga, que o faz muito feliz. Por solidariedade, cedeu o sobrado a uma parente, insensível, que acabou por extirpar todas as suas roseiras. E o alegre Romeu, por certo, mais uma vez, deve ter ficado tão triste como quando perdeu sua amada Francelina.

Numa viagem de navio, foi ele, certa vez, reconhecido em pleno Mare Nostro, por passageiros, como sendo o "Rei das Rosas".

Passei de táxi, num dia destes, em frente ao antigo sobrado. Fechei os olhos. O perfume das rosas, ainda na minha imaginação, impregnava o ar. Tenho certeza de que todas as gerações que viveram naquela época, como eu, quando por lá passam, sentem ainda o perfume das rosas, do "Rei das Rosas", o alegre Romeu, o meu vizinho,

(Artigo publicado em janeiro de 2007 - edição 1, republicado na Revista Santos Arte e Cultura - maio 2012, edição 33, em homenagem aos 101 anos do Rei das Rosas)

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro gentilmente enviado pelo escritor.
Desenho digital sobre foto do autor por José Feldman

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