AS FLORES TÊM CIÚMES
Escrevi tanto sobre as minhas rosas,
Mas fui ingrato e com certeza errado.
Sem atinar que outras também airosas
Mostram belezas, sem nenhum pecado.
Eu vi nascer as inclementes prosas,
Cujos enredos suportei calado.
Dobrei meu zelo sobre as mais dengosas
E fui de novo o Jardineiro amado,
Toda igualdade impera em meu jardim:
Ditosas são, de todo agrado sim,
Sem distinção de cor ou de perfume.
As tenho todas com igual carinho
E já não sinto o venenoso espinho
Que se alimenta do vilão ciúme.
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BARDO FELIZ
Não sei ainda se me valeu a pena
Viver assim na solidão cerrado.
Louvo a família que perdoa a cena
Sob os aplausos ao futuro fado.
A minha verve toda glória acena
E à perfeição e ao próprio engenho dado.
A forma honrada já ninguém condena
E reconhece o seu poder letrado.
Louvada seja a musa que me ordena
E me incentiva a pelejar na arena
Sob os tormentos do cruel cilício.
Eu sei agora: com o seu cajado
Ninguém consegue me manter calado
Nem mesmo a dor do pertinaz suplício.
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FAMÍLIA UNIDA
Bendito cão que a minha casa guarda
E me sossega ao conciliar do sono.
E sentinela que não usa farda
E faz, zeloso, me sentir no trono.
É sempre ativo, pois jamais retarda
Quanto aos deveres ao leal patrono.
E na vitória sua cauda alarda,
Pois antevê um carinhoso abono.
Neste final quero dizer: eu crio
Uma cadela que adentrou ao cio
E o cão soberbo já cuidou das cenas.
Assisto enfim, ao doloroso parto,
Numa emoção que eu nunca mais descarto,
Pela alegria de um filhote apenas.
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MEU PÉ DE MURTA
Doçura amável este arbusto exala,
Que invade a tenda onde, tranquilo, escrevo.
E de manhã, na mais ardente escala,
Se acopla a musa no maior enlevo.
E nesse afã, a própria musa fala
Sobre os favores que à natureza devo.
Por isso canto e a inspiração propala
Toda beleza que lhe dá relevo.
Murta querida de abundantes flores,
Que ativa e embala os meus fiéis fervores
Nesta estação que o seu cantor adora.
Criei você no meu jardim vistoso,
Por isto eu quero - o que será gostoso -
Tê-la ao meu lado quando eu for embora.
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PERSUASÃO
Sou todo escravo deste amor sagrado,
Que envolve a musa singular que eu canto.
Sou seu amante, sem haver pecado,
E respeitoso ante o sagrado manto.
Tudo que eu quis do meu Senhor louvado
Tive de pronto, num bondoso encanto.
E o espaço meu, por quatro mãos bordado,
Reflete a luz do meu divino santo.
A flor desponta pela minha estrada.,,
E ao som do enlevo e da sutil balada
Rumo incessante ao almejado ninho;
Ao doce lar onde a paixão habita
E lá chegando o coração se agita
Na convicção de nunca estar sozinho.
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PERVERSIDADE
Não sei dizer a quem se deve a guerra
Devastadora do moral humano.
Tem ódio insano que o bom senso enterra
Na glória vã de irracional tirano.
Vírus do mal a devastar a terra
Pelas cartilhas do perverso engano.
Logram a vida que a virtude encerra
E as esperanças do divino plano,
Claro, são tortas as visões do mal
Ante a razão e a decisão final
Na busca da paz, dos ideais fecundos.
Que os corações dos deuses, em consensos,
Agitem todos novos brancos lenços,
Pela eleição de um Deus igual aos mundos.
Fonte:
Cecim Calixto. Flores do meu cajado: sonetos. Curitiba: Juruá, 2015.
Livro enviado por Vânia Ennes.
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