domingo, 5 de julho de 2020

Caldeirão Poético XXXIV


ANTÔNIO ROBERTO FERNANDES
São Fidélis/RJ, 1945 – 2008

Emoção


Quando não há mais nada a ser falado,
quando os olhares não se cruzam mais,
é hora de se ver que há algo errado
nos relacionamentos conjugais.

Já não importa aí quem é culpado,
nada resolvem cenas passionais
nem simpatias contra o mau-olhado
ou conselheiros matrimoniais.

É o fim. Pronto. Acabou. Não tem mais jeito.
Se, de emoção, um dia ardeu o peito
que dela reste uma lembrança boa.

Não se deve é fechar-se numa esfera,
sem ver que pode estar à nossa espera
outra emoção no olhar de outra pessoa.
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CORNÉLIO PIRES
Tietê/SP, 1884 – 1958, São Paulo/SP

A Origem do homem


– O senhor por acaso não descende
dos bugres que moravam por aqui?
– Hom’eu num sei dizê, vance comprende
que essa gente inté hoje nunca vi.

Mais porém o Bernado diz-que intende
que os moradô antigo do Brasi
gerava de macaco!… Inté me ofende
vê um véio cumo ele, ansim, minti.

D’otra feita um cabocro, – aí um caiçara, -
diz-que nascium de dois e inté de trêis
quando estralava um gomo de taquara!

Nóis num temo parente portuguêis,
nem mico, nem cuati, nem capivara…
Semo fio de Deus como vancêis!
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EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses)
Curitiba/PR, 1816– 1918

A chegada


Noite de chuva tétrica e pressaga*.
Da natureza ao íntimo recesso
Gritos de augúrio vão, praga por praga,
Cortando a treva e o matagal espesso.

Montes e vales, que a torrente alaga,
Venço e à alimária* o incerto passo apresso.
Da última estrela à réstia ínfima e vaga
Ínvios* caminhos, trêmulo, atravesso.

Tudo me envolve em tenebroso cerco
D'alma a vida me foge, sonho a sonho,
E a esperança de vê-la quase perco.

Mas uma volta, súbito, da estrada
Surge, em auréola. o seu perfil risonho,
Ao clarão da varanda iluminada!
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Nota:
* Pressaga = que pressagia, prevê ou pressente
* Alimária = animal de carga
* Ínvios = Em que não se pode passar, transitar (diz-se de caminho, estrada etc.).

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FILEMON F. MARTINS
Itanhaém/SP

Capricho


Quis o destino, caprichoso, um dia,
que eu soubesse, na terra, grande dor.
Conspiração dos astros da poesia
que me fizeram crer no teu amor.

Ingênuo, acreditei na fantasia
que me ofertou teu lábio sedutor,
e vi morrendo, aos poucos, a alegria
quando partias como o beija-flor.

Eras a estrela vésper do meu sonho
povoavas meu céu sempre risonho
em noites de fulgor e de luar…

Mas me deixaste assim, cama vazia,
sem ter ninguém na madrugada fria,
um condenado à morte por amar.
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GAITANO LAERTES P. ANTONACCIO
Manaus/AM

Amor sem emoção


O amor de agora é uma troca virtual,
tão diferente, tão estranho ao coração,
que mais parece uma relação pactual,
entre seres humanos, sem emoção!…

O amor que se contempla nos amantes,
perdeu hoje, a essência da sinceridade.
É falso, não se manifesta como antes,
porque despreza a ética e a moralidade.

O amor agora, vem se transformando
a cada dia, todo minuto, todo instante
deixando a paixão, muito mais distante,

enquanto a falsidade vai se avolumando.
O amor, hoje, não cede nenhum espaço,
não cabe num beijo, não vale um abraço!…
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JOSÉ RIOMAR DE MELO FREITAS
Caucaia/CE

Janelas da alma


Entre as coisas mais certas que já fiz,
Apesar de bem poucas, reconheço,
É convicto afirmar que já conheço,
Sem a chance de erro em seu matiz;

Ao olhar para fotos nos perfís,
Esse dom me foi dado, pois mereço,
Do caráter do tal seu endereço
O seu rosto, o retrato já me diz!

Minha chance de errar é muito pouca,
Nos detalhes sutis de sua boca,
Posso bem deduzir com muita calma...

Se é do bem, se do mal,já fiz estudo,
Agora os olhos complementam tudo,
Pois eles são as janelas da alma...
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MARIA EUGÊNIA CELSO
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João del Rey/MG, 1890 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

Mudança


Li no jornal teu casamento… Um instante
Sinceramente a humana espécie odiei,
Do mundo o horror se me tornou flagrante
E do planeta desertar sonhei.

Veio depois a reflexão calmante…
Do esquecimento obedecendo à lei
– De ti se fez me coração distante,
Com a vida e os homens me reconciliei.

Passou-se um mês… Hoje encontrei-te… O espanto
Fez-me um segundo emudecer, no entanto
Minh’alma logo te reconheceu.

Eras tu mesmo… mas diminuído,
Diverso, feio, gordo, envelhecido.
Mudaste acaso ou mudaria eu?
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RACHEL RABELO
Petrolina/PE

Ser tão sertão


No trajeto vislumbro tais belezas
das paisagens de luz deste sertão,
que são típicas desta região
completando meu ser de sutilezas.

O teu povo traduz as realezas
conquistadas nas artes da paixão,
na poesia que vem do coração
retratando histórias e certezas.

Lá teu sol nasce já metrificado
vem na chuva um canto ritmado
entoando os ensaios da natura;

tua noite tem brilho diferente
que envolve num manto transparente
as sementes da arte e da cultura!

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