Hostiaf VI era rei de um vasto país, e um dos soberanos mais opulentos e poderosos da terra. Apesar disso, porém, era um monarca tão bom, tão magnânimo, tão justiceiro, que mais parecia um pai, que um rei.
Hostiaf tinha um filho, Julião, que era tão bom quanto ele. Um dia, o rei, estando a caçar, animado e satisfeito, embrenhou-se dentro de um espinheiro, a fim de apanhar um passarinho que havia matado. Os espinhos, porém, eram tantos, que o pobre rei neles se espetou, e cegou de ambos os olhos.
O rei e o príncipe voltaram para a casa muito tristes pela infelicidade que acabava de suceder; o povo, que amava o seu soberano, ao saber da desgraça, cobriu-se de luto. Em todas as igrejas, capelas e oratórios particulares, fizeram-se muitas promessas de ver se o bom rei recobrava a vista.
***
Um dia, o príncipe Julião saiu de casa, dizendo ao pai que ia buscar remédio a fim de lhe curar a cegueira. Saindo da cidade, penetrou em uma floresta muito grande; e, sentindo-se bastante cansado, sentou-se numa pedra, e chorou.
Nisso um besouro de ouro começou a voar ao redor dele, e perguntou-lhe:
– Príncipe Julião, porque choras? Acaso aconteceu-te alguma desgraça?
– Choro, disse o príncipe, porque meu pai está cego. Procuro um remédio para a sua cegueira, mas ainda não o achei. Tenho sido tão bom e agora sou ferido no que tenho de mais querido neste mundo. Que devo fazer?
– Continua a ser bom, que alguém te há de proteger, respondeu o lindo inseto.
Julião levantou-se de onde estava sentado, e encaminhou-se para uma cidade que existia no fim da floresta. Aí chegando, viu alguns homens dando com um pau em um cadáver. Indagando o que queria dizer aquilo, responderam que aquele homem estava apanhando, depois de morto, porque tinha deixado dívidas, e o costume da terra era se proceder assim com os caloteiros.
O jovem teve pena do morto, pagou-lhe as dívidas e mandou enterrá-lo. Quando os homens se retiraram, o príncipe ouviu um zumbido perto dele, e viu o besouro de ouro que lhe disse:
– Estou te acompanhando desde que saíste do palácio. Sabia que eras bom, e agora certifiquei-me mais com a ação que acabaste de praticar, mandando enterrar esse pobre homem. Em paga disso, vou ensinar o remédio que há de curar a cegueira de El Rei teu pai. Vai ao reino dos Papagaios. Entra lá à meia-noite, despreza os papagaios bonitos, e procura o mais feio e velho, que está numa gaiola de pau, e traga-o. Depois, tira-lhe o sangue, e molha com ele os olhos do teu pai, que recobrará a visão.
***
O príncipe tanto andou, que chegou ao reino dos Papagaios. Assim que bateu meia-noite, entrou. Ficou deslumbrado com o que viu: ricas gaiolas de ouro, de brilhantes e de pedrarias, que ofuscavam a vista; papagaios de todas as cores, cada qual mais lindo.
Apanhou o papagaio, com a gaiola que lhe pareceu mais bonita, deixando a um canto um papagaio, velho e triste, em uma gaiola já podre, toda enferrujada. Quando o rapaz ia saindo, o papagaio deu um grito. Os guardas acordaram, perseguiram-no, e prenderam-no.
O jovem foi conduzido à presença do rei dos Papagaios, que perguntou o que queria ele com aquela ave apanhada em seu reino.
O pobre moço contou a história de seu pai; e o rei, condoendo-se dele, disse que lhe daria o papagaio, se lhe trouxesse uma espada do reino das Espadas.
O jovem aceitou a proposta. Ia muito triste; e, chegando mais adiante, encontrou o mesmo besouro, que lhe disse:
– Porque estais tão triste, príncipe Julião?
O moço contou o que lhe havia sucedido no reino dos Papagaios.
– Eu não disse! Foste apanhar o papagaio bonito, e deixaste o velho e feio! Aconteceu-te esta desgraça, mas ainda há um remédio: vai ao reino das Espadas. Aí verás muitas – ricas, lindas, ofuscantes. Não te importes com essas; apanha a mais feia, mais velha e mais enferrujada, que lá existe, a um canto.
O moço seguiu em demanda ao reino das Espadas.
Assim que aí chegou, ficou maravilhado: viu espadas de ouro, de prata e de brilhantes. Sem considerar no que fazia, apanhou a mais bonita, não se lembrando da recomendação do besouro. Ia saindo, quando a espada deu um estalo, tão forte, que os guardas acordaram, e prenderam-no, levando-o à presença do rei das Espadas.
Julião contou a história de seu pai; e o rei, tendo pena dele, prometeu dar-lhe a espada, se ele trouxesse um cavalo do reino dos Cavalos.
Saiu dali o príncipe, arrependido de não ter seguido por duas vezes os conselhos do besouro, quando este lhe apareceu mais uma vez:
– Príncipe Julião, já sei porque vais tão triste. Não quiseste, ainda desta vez, ouvir meus conselhos. Vai ao reino dos Cavalos, e traz de lá o mais feio, mais velho, mais magro. Não te importes com os bonitos, os gordos e bem arreados. Procura o que está a um canto, muito magro.
Quando o príncipe entrou, à meia-noite, no reino dos Cavalos, pasmou, vendo os mais lindos cavalos de puro sangue, que existiam em todo mundo. E disse consigo mesmo:
– Ora! Pois eu mesmo hei de levar aquele cavalo, tão magro, que nem me aguentará na viagem? Antes esse aqui, que é forte!
E trouxe o mais bonito de todos – um cavalo todo preto, de crinas e cauda de ouro, com arreios de brilhantes.
Mal Julião tinha saído, quando o cavalo relinchou, tão alto, que todos os soldados se levantaram, e o prenderam.
O jovem dessa vez julgou-se perdido, porque os soldados disseram que ele ia morrer.
Pediu, então, para ir à presença do rei dos Cavalos, a quem contou a sua triste história. O rei, penalizado, disse que lhe daria o cavalo, se fosse furtar a filha do rei vizinho.
O moço aceitou a proposta, mas pediu que lhe dessem um bom cavalo, para poder sair-se bem de uma empresa tão perigosa. Deram-lhe um animal muito bom, que andava tanto quanto o vento.
No meio da estrada, encontrou-se ele outra vez com o besouro, que lhe disse:
– Porque estais tão triste, príncipe?
O príncipe contou tudo quanto lhe acontecera no reino dos Cavalos.
Não podendo mais conter-se, o besouro falou:
– Príncipe Julião, eu sou a alma daquele homem a quem mandaste enterrar, e cujas dívidas pagaste. Ando protegendo-te, desde que saíste do palácio de teu pai. Não tens querido seguir meus conselhos. Ouve, porém, o que te vou dizer, porque esta é a última vez que te apareço. Monta neste cavalo; entra à meia-noite no palácio do rei vizinho; põe a filha na garupa; larga rédea ao teu cavalo; e foge depressa. O teu cavalo anda como o vento, e por isso não há receio de te apanharem; mas toma cuidado de não olhares para trás. Passa pelo reino dos Cavalos, para te darem o teu. Segue diretamente para casa, e não dês ouvidos a ninguém. Anda sempre pelo caminho real; não procures atalhos. Vai depressa, que teu pai está agonizando.
O príncipe fez tudo quanto lhe disse o besouro encantado.
***
Antes, porém, de chegar em terras do reino, encontrou-se com os irmãos, que vinham buscar notícias suas. Quando o viram com uma princesa tão bonita e objetos tão ricos, começaram a aconselhá-lo que devia passar por um atalho do caminho, porque, além de ser mais perto, evitaria dessa maneira os ladrões, que andavam em bandos pela estrada.
Julião acreditou neles; e, tendo saltado do animal, para beber água em uma fonte, os dois o jogaram para o fundo de uma caverna. Depois, os perversos apanharam tudo quanto pertencia a Julião, e marcharam em direção ao palácio de seu pai.
Supondo-o morto, entraram com toda a riqueza do príncipe. A moça, porém, ficou muda; o papagaio, triste, com a cabeça debaixo da asa; a espada começou a marear; e o cavalo emagrecia cada vez mais.
Estando o príncipe quase para morrer, na caverna, apareceu-lhe o besouro, que, ainda desta vez, o livrou da morte, tirando-o dali.
Voltou para casa, e mal pôs o pé na escadaria, a moça começou a falar; o papagaio voou para o seu ombro; o cavalo soltou um relincho muito forte, e principiou a engordar; e a espada luzia que nem um brilhante.
Ao entrar, tirou um bocado de sangue do papagaio, e o pôs sobre os olhos do seu velho pai que recobrou logo a vista.
***
Os irmãos, amedrontados com o aparecimento do mais moço, a quem julgavam morto, atiraram-se do alto da torre do palácio, à calçada, morrendo no mesmo instante. O príncipe Julião casou-se com a formosa princesa que trouxera; e, mais tarde, por morte de seu pai, veio a reinar sempre querido e abençoado pelo seu povo.
Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
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