Giuseppe Artidoro Ghiaroni
(Paraíba do Sul/RJ, 1919 – 2008, Rio de Janeiro/RJ)
AS ÁRVORES CORTADAS
Deceparam as árvores da rua!
Sem troncos hirtos na calçada fria,
a rua fica inexpressiva e nua;
fica uma rua sem fisionomia.
0 sol, com sua rústica bondade,
aquece até ferir, até matar.
E a rua, a rir sem personalidade,
não dá mais sombras aos que não têm lar.
As árvores, ao vento desgrenhadas,
não lastimam a peia das raízes:
Olvidam suas dores, concentradas
no sofrimento de outros infelizes.
Eu penso, quando à frente dos casais
vem sentar-se um mendigo meio-morto,
que uma fronde se inclina um pouco mais,
para lhe dar mais sombra e mais conforto.
Sem elas, fica a triste perspectiva
de uns muros esfolados, muito antigos,
que se unem na distância inexpressiva
como se unem dois trôpegos mendigos.
Quando vier com o seu farnel de lona,
arrimar-se à sua árvore querida,
o ceguinho de gaita e de sanfona
será capaz de maldizer a vida.
E aquela magra e trêmula viúva
que anda a esmolar com filhos seminus,
quando o tempo mudar, chegando a chuva,
dirá que dela se esqueceu Jesus!...
Meu Deus, seja qual for o meu destino,
mesmo que a dor meu coração destrua,
não me faças traidor, nem assassino,
nem cortador de árvores da rua!
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José de Alencar
(Fortaleza/CE, 1829 – 1877, Rio de Janeiro/RJ)
ÁRVORE SIMBÓLICA
– Que fazes tu, em meio do caminho,
Loureiros ideais amontoando?
Olha... com astros já formei teu ninho:
Vem dormir... inda há dia, e estás suando. –
Falou-lhe a morte assim com tal carinho,
Que ele dormiu, a obra abandonando:
E quando o mundo o procurou, foi quando
Viu que um sol cabe num caixão de pinho.
Devia ser-lhe marco à cabeceira
Uma águia, abrindo as asas remontada...
Não tem... plantemos tropical palmeira.
O tronco esbelto, a coma derramada
Dará ideia duma vida inteira
Sempre a subir... sempre a subir coroada...
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Joyce Kilmer
(EUA, 1886 – 1918, França)
ÁRVORES
Sei que nunca verei um poema mais belo e ardente,
do que uma árvore; uma árvore que encerra
uma boca faminta, aberta eternamente
ao hálito sutil e flutuante da Terra.
Voltada para Deus todo o dia, ela esquece
os braços a pender de folhas, numa prece.
Uma árvore, que ao vir do estio morno, esconde
Um ninho de sabiás nos cabelos da fronde.
A neve põe sobre ela o seu níveo diadema
e a chuva vive na mais doce intimidade
do tronco, a se embalar nos galhos seus;
Qualquer néscio como eu sabe fazer um poema.
Mas quem pode fazer uma árvore? – Só Deus.
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Maurice Rollinat
(França, 1846 – 1903)
A TRISTEZA DAS ÁRVORES
Oh! grandes vegetais! oh! mártires do estio!
Liras das virações – os músicos dos ares –
Quer verdes estejais, quer vos despoje o frio,
O poeta vos adora e vos sente os pesares!
Quando o olhar do pintor procura o pitoresco
É em vós que sacia a sôfrega avidez,
Porque vós sois o imenso e formidável fresco
Com que a terra sem fim cobre a sua nudez.
Quando estala o trovão, e o granizo peneira,
É a floresta um mar de encapeladas águas,
E tudo – a tília enorme ou a frágil roseira –
Solta nos penetrais lamentações de mágoas.
E vós, que muita vez, silentes como os mármores,
Adormeceis tal como as almas sem receio,
Então rugis, torcendo os braços, pobres árvores,
Sob as patas brutais de elementos sem freio!
Quando a ave os olhos fecha ao verão que a quebranta
Dos vossos ramos vai dormir ao brando afago;
Eles servem de abrigo à pedra e à débil planta
E casam sua sombra à fresquidão do lago.
Só nas noites de Maio, aos clarões estrelares,
Aos aromas sutis que as caçoulas exalam,
É que esquecer podeis as dores seculares,
Dormindo um sono bom que os zéfiros embalam.
O sol vos cresta e morde; o aquilão vos vergasta;
– Vivos embora – o inverno, frígida mortalha,
Vos cinge; e como enfim tanto sofrer não basta,
A rir o lenhador vossas carnes retalha.
Na cidade, no campo ou nas ínvias devesas,
Onde quer que vivais, olmos, faias, carvalhos,
Eu fraternizo com as enormes tristezas
Que derramam pelo ar vossos sombrios galhos...
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Pedro Tamen
(Lisboa/Portugal)
ÁRVORE
Cresce e vem do fundo da terra
ou do fundo do tempo.
Sobe para um céu
que afinal não conhecemos.
No intervalo há vida
– e também ela cresce:
nela se encerra
o que somos e temos;
e se desvela o véu.
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William Vicente Borges
Rio de Janeiro/RJ
A ÁRVORE E O MENINO LEVADO
Uma mangueira, nenhuma manga.
Um menino levado, nenhum juízo.
E por que não pular de galho em galho?
Afinal árvore e menino levado
Formam um par bem adequado.
Só que o menino levado não sabia
Que nem toda árvore está de brincadeira
E que nem todo galho só enverga.
E bem do alto da mangueira então,
Feliz da vida caiu o menino ao chão.
Todo arranhando saiu o menino
Com o galho ainda sob si,
Todos os amiguinhos atônitos
Não se atreveram a na árvore subir.
Mas a lição aprendida pôs todos a rir...
A mangueira ficou lá meio esquecida
Mas muitas frutas vieram a nascer
E lá foi o menino levado –
Só que desta vez não subiu nos galhos –
Com vara de bambu foi alto colher.
O menino levado cresceu e virou moço
E sempre que pode vai a árvore visitar
E na sombra dela ri do acontecido.
Menino levado e árvore combinam, sim.
O que não combina é não ser precavido.
Fonte:
Sammis Reachers (org.). Árvore: uma antologia poética. São Gonçalo/RJ, 2018. E-book.
Sammis Reachers (org.). Árvore: uma antologia poética. São Gonçalo/RJ, 2018. E-book.
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