sábado, 26 de junho de 2021

José Albano (Poemas Avulsos)

SONETO II


Ditoso quem foi sempre desamado
Nem nunca na alma viu pintar-se o gozo
Que lhe promete estado venturoso
Para depois deixá-lo em triste estado.

Já me de todo agora persuado
De que não pôde haver brando repouso
E do afeto mais doce e deleitoso
Se gera às vezes o maior cuidado.

Não quero boa sorte nem sonhá-la,
Pois logo passa, apenas se revela,
Com uma dor que outra nenhuma iguala.

Mas quem desconheceu benigna estrela,
Se não teve a alegria de alcança-la,
Nunca teve o desgosto de perdê-la.
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SONETO III

Amar é desejar o sofrimento
E contentar-se só de ter sofrido
Sem um suspiro vão, sem um gemido
No mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento
É deste mundo enfim tão esquecido,
É pôr o seu cuidar num só sentido
E todo o seu sentir num só tormento.

É nascer qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
É ser enfim vendido por dinheiro
E entre ladrões morrer crucificado.
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SONETO IV

Mata-me, puro Amor, mais docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício implacável e inclemente.

Faze que a dura pena me atormente
E de todo me vença e me conquiste,
Que o peito saudoso não resiste
E o coração cansado já consente.

E como te amei sempre e sempre te amo,
Deixa-me agora padecer contigo
E depois alcançar o eterno ramo.

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.
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ODE À LÍNGUA PORTUGUESA

Língua minha, se agora a voz levanto,
Pedindo à Musa que me inspire e ajude,
Somente soe em teu louvor o canto,
Inda que a lira seja fraca e rude;
E tudo quanto sinto na alma, e digo,
Já que na alma não cabe,
Contigo viva e acabe — só contigo.

Língua minha, dulcíssona e canora,
Em que mel com aroma se mistura,
Agora leda, lastimosa agora,
Mas não isenta nunca de brandura;
Língua em que o afeto santo influi e ensina
E derrama e prepara
A música mais rara – e mais divina.

Língua na qual eu suspirei primeiro,
Confessando que amava, às auras mansas
E agora choro, à sombra do salgueiro,
Os meus passados sonhos e esperanças;
Na qual me fez ditoso em tempo breve
Aquela doce fala
Que outra nenhuma iguala — nem descreve.

Língua em que o meu amor falou de amores,
Em que de amores sempre andei cantando,
Em que modulo os mais encantadores
E deleitosos sons de quando em quando;
E espalho acentos inda nunca ouvidos
De mágoas e de gozos,
Queixumes amorosos — e gemidos.

Sempre e sempre eu te veja meiga e pura
Naquela singeleza primitiva,
Naquela verdadeira formosura
Que farei que no verso meu reviva.
E, se apenas um pouco se revela
Desse encanto jucundo,
Há de mostrar ao mundo — quanto és bela.

Outros andam o teu sublime aspecto
De ornamentos estranhos encobrindo
Sem saber o que tens de mais secreto,
De mais maravilhoso e de mais lindo:
Em ti já não se nota o mesmo agrado
E eu não te reconheço,
Se o teu valor e preço — é rejeitado.

Quanta e tamanha dor me surge e nasce
De nunca ouvir aquele antigo estilo,
Mas eu fiz que ele aqui se renovasse,
Para que o mundo enfim pudesse ouvi-lo.
E com todo o poder de engenho e de arte
Foi sempre o meu desejo
Ver-te qual te ora vejo — e celebrar-te.

Ah! como assim me enlevas e me encantas,
Ora chorando e rindo, ora gemendo;
E, se outros te ofendem vezes tantas,
Embora solitário, eu te defendo:
Eu te defenderei sem ter descanso
E em luta não inglória
Tu verás que a vitória — e a palma alcanço.

E em pago disto peço que me imprimas
Maior ternura na alma e não ma agraves;
Dá-me versos dulcíssimos e rimas
Eternas, peregrinas e suaves:
Dá-me uma voz melodiosa e amena,
Para que noite e dia
Diga a minha alegria — e a minha pena.

E não quero um som alto e retumbante
Para cantar d'amor ao mundo atento,
Pois não há língua que d'amor não cante,
Mas, nenhuma traduz o meu tormento;
Nenhuma se conhece que translade,
Afora tu somente,
Do coração doente — a saudade.

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