O Seixas e o Souza eram amigos. Ou… Pensando melhor, será que tinham sido amigos mesmo algum dia na vida?!
Amizade frouxa, que não deixa vínculos, pode ser tudo, menos amizade! Não passa de mero encontro temporário de interesses. Um casual esbarro existencial... Fato sem relevância alguma, que se apaga sem deixar rastro, nessas tantas andanças pelos labirintos da vida.
Mas... vamos ao começo, sem maiores considerações. Digamos que eram "amigos" o Seixas e o Souza, muito embora, algum dia, deixassem de o ser.
Contudo, quem deixa de ser amigo é porque amigo não era! Mas... também, não é por causa disto que ambos tenham que se tornar inimigos! - Pior é que, justamente isto foi o que aconteceu entre o Seixas e o Souza!
Os dois figurões em foco, se algum dia ligados por algum fio afetivo, hoje eram antagonistas declarados e dos mais ferrenhos! E todo mundo sabia disso, sem cobrar pormenores, a resguardar o sacro direito de manter-se neutro.
Desde que soubera não andar boa a saúde do Seixas, todas as manhãs, a primeira notícia que o Souza buscava nos jornais era a coluna necrológica, a ver se o maior inimigo havia "batido as botas". Ano após ano, a rotina era mantida com precisão cronológica.
A vida, entretanto, (ou a morte?) tem caprichos insuspeitáveis! Apesar das mazelas, o Seixas, que a correnteza levara para margens opostas, parecia ter fôlego de gato: - espasmos, cateterismos, duas safenas... e nada! Tudo rebate falso!
- "De hoje não passa!", diziam os mais chegados. E, contrariando as previsões, o Seixas passava galhardo para o dia seguinte, igual ao sol que agoniza... e, após noite repousante, renasce, pronto para luzir por mais um dia... ainda que mortiçamente.
- "O ano que vem ele não emplaca!" - agouravam os pessimistas e a euforia do Souza ia num crescendo até o último dia do ano. Declinava no ocaso de cada 31 de dezembro para despencar no abismo da desesperança nos dias subsequentes.
Por isso... Quando recebeu por telefone aquela "auspiciosa" notícia, o Souza custou a acreditar:
- "Como é?! O Seixas morreu?! Não acredito! Pneumonia?! Quando? Agora?!!!"
- "O Seixas morreu....O Seixas morreu !? – repetia perplexo. A repetição compulsória fê-lo aceitar a verdade... mas a aceitação custou-lhe caro!
Quando, segundos depois, a ficha realmente caiu, o impacto foi fulminante! - O Souza desabou como se um raio o tivesse atingido em cheio! Nem o cutelo de um carrasco teria ação mais rápida do que aquela sentença chegada por telefone. O Seixas morreu!... O SEIXAS MORREU!!!
A pulsação acelerou-se... a pressão subiu... a dor aguda apunhalou-o! O Souza levou a mão ao peito para tentar segurar o coração que estrebuchava. Arrastado pelo dono que se estatelara, o telefone foi também ao chão.
Laudo Médico: - Enfarte do miocárdio. Agudo!... Fulminante!
No dia seguinte, o jornal local estampava, lado a lado, na Seção necrológica, as fotos dos dois velhos desafetos - o Seixas e o Souza- anunciando-lhes a passagem para o outro mundo.
Chegados às portas do inferno quase juntos, longe de se estranharem, os dois adversários trocam cumprimentos e cortesias:
- Entre! - apressou-se em dizer o Seixas, a ceder lugar, gentilmente.
- Não, por favor, você chegou primeiro - Entre! - agradece o Souza, elegante, com simpática reverência.
- Em absoluto, meu caro, faço questão, passe, por favor! - insiste o Seixas,
Antes porém que o Souza tivesse tempo de revidar, dois diabinhos, já irritados com a demora, puseram fim à troca de amabilidades.
Aos trancos e garfadas, dois novos hóspedes foram parar, desconfortavelmente, na mesma caldeira fumegante, já reservada para ambos com bastante antecedência!
- Coisas da vida?!... Talvez!... Ou... quem sabe, coisas da morte?!
- Afinal... não é ela quem resolve tudo, sem estrilos... sem apelações?!
Fonte:
Carolina
Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: Mônica Petroni Mathias,
2021. Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livo enviado pela autora.
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