sábado, 5 de junho de 2021

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 29 e 30


DIÁLOGO FINAL


— É tudo que tem a me dizer? — perguntou ele.

— É — respondeu ela.

— Você disse tão pouco.

— Disse o que tinha para dizer.

— Sempre se pode dizer mais alguma coisa.

— Que coisa?

— Sei lá. Alguma coisa.

— Você queria que eu repetisse?

— Não. Queria outra coisa.

— Que coisa é outra coisa?

— Não sei. Você que devia saber.

— Por que eu devia saber o que você não sabe?

— Qualquer pessoa sabe mais alguma coisa que outro não sabe.

— Eu só sei o que eu sei.

— Então não vai mesmo me dizer mais nada?

— Mais nada.

— Se você quisesse…

— Quisesse o quê?

— Dizer o que você não tem para me dizer. Dizer o que não sabe, o que eu queria ouvir de você. Em amor é o que há de mais importante: o que a gente não sabe.

— Mas tudo acabou entre nós.

— Pois isso é o mais importante de tudo: o que acabou. Você não me
diz mais nada sobre o que acabou? Seria uma forma de continuarmos.
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ENCONTRO

O personagem de Lúcio Cardoso hospedou por algumas semanas o personagem de Cornélio Pena. Nunca se viam, porque um dormia pela madrugada e o outro ao anoitecer. Não se encontravam à mesa, mas ambos diziam “bom dia”, sozinhos, referindo-se ao companheiro.

O personagem de Guimarães Rosa, encontrando aberta a porta da casa, entrou, não viu ninguém, deu tiros para o alto. Um buriti cresceu na sala de jantar, a vereda fluiu suas águas. Os personagens de Lúcio e de Cornélio acudiram ao mesmo tempo, surpresos. Ouviu-se a viola de Miguelão entoar modinhas do Urucuia. Todos beberam muito, e a noite acabou em antologia mineira, com ilustrações de Poty.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

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