DIÁLOGO FINAL
— É tudo que tem a me dizer? — perguntou ele.
— É — respondeu ela.
— Você disse tão pouco.
— Disse o que tinha para dizer.
— Sempre se pode dizer mais alguma coisa.
— Que coisa?
— Sei lá. Alguma coisa.
— Você queria que eu repetisse?
— Não. Queria outra coisa.
— Que coisa é outra coisa?
— Não sei. Você que devia saber.
— Por que eu devia saber o que você não sabe?
— Qualquer pessoa sabe mais alguma coisa que outro não sabe.
— Eu só sei o que eu sei.
— Então não vai mesmo me dizer mais nada?
— Mais nada.
— Se você quisesse…
— Quisesse o quê?
— Dizer o que você não tem para me dizer. Dizer o que não sabe, o que eu queria ouvir de você. Em amor é o que há de mais importante: o que a gente não sabe.
— Mas tudo acabou entre nós.
— Pois isso é o mais importante de tudo: o que acabou. Você não me
diz mais nada sobre o que acabou? Seria uma forma de continuarmos.
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ENCONTRO
O personagem de Lúcio Cardoso hospedou por algumas semanas o personagem de Cornélio Pena. Nunca se viam, porque um dormia pela madrugada e o outro ao anoitecer. Não se encontravam à mesa, mas ambos diziam “bom dia”, sozinhos, referindo-se ao companheiro.
O personagem de Guimarães Rosa, encontrando aberta a porta da casa, entrou, não viu ninguém, deu tiros para o alto. Um buriti cresceu na sala de jantar, a vereda fluiu suas águas. Os personagens de Lúcio e de Cornélio acudiram ao mesmo tempo, surpresos. Ouviu-se a viola de Miguelão entoar modinhas do Urucuia. Todos beberam muito, e a noite acabou em antologia mineira, com ilustrações de Poty.
Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.
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