quarta-feira, 23 de junho de 2021

Contos e Lendas do Mundo (Irlanda: O homem que não sabia nenhuma história)

Há muito, muito tempo, os campos estavam cheios de pessoas, na sua maioria malabaristas, cantadores, violinistas e outros músicos. Chegou um momento em que os habitantes expulsavam da sua porta quem não soubesse tocar música ou executar qualquer outra diversão.

Mas houve uma vez um jovem caminhante chamado Paití Nábla Móire, que não sabia histórias, nem canções, e era tão triste que ninguém fazia caso dele, nem o queria receber em sua casa.

Uma noite, chegou a Teilionn e andou de porta em porta à procura de alojamento, mas ninguém o aceitava. Continuou, então, a caminhar e não se deteve até chegar a Glen, onde também não encontrou acolhimento. Por fim, bateu à porta de um homem que não era dali, cuja mulher disse:

— Como não tens qualquer diversão para oferecer, não te recebo com gosto, mas, em todo o caso, não acho acertado bater com a porta na cara de ninguém, sobretudo a uma hora tão avançada. Podes ficar até amanhã no palheiro que há aí fora.

— Agradeço-te de todo o coração.

Paití Nábla Móire encaminhou-se para lá e instalou-se o melhor possível entre a palha.

Havia algum tempo que estava deitado, quando entraram três homens que transportavam um cadáver, um dos quais lhe deu um pontapé.

— Levanta-te, Paiti Nábla Móire, e vela este homem até ao amanhecer — ordenou-lhe. — É o nosso pai, que morreu, e temos de ir procurar comida.

Acenderam uma fogueira junto do corpo sem vida.

— Aconteça o que acontecer, não deixes as chamas chegarem à mortalha.

O infortunado Paití ficou a guardar o cadáver o melhor que podia. Um pouco mais tarde, pareceu-lhe que o morto o olhava, pelo que se encolheu a um canto atrás da porta, fora do seu campo visual.

De repente, levantou-se uma forte rajada de vento que abriu a porta violentamente e espalhou o lume, pelo que a mortalha também ardeu, ante o profundo pavor de Paiti. Só Deus sabia a angústia terrível que o assolou!

Pouco depois, regressaram os três irmãos.

— Fizeste um bonito serviço, Paití Nábla Móire! A mortalha ardeu! Vais ter de pagar por isso. Lançar-te-emos ao lume, para que ardas também.

Dois deles seguraram-no pela cabeça e pelos pés, mas o terceiro disse:

— Larguem-no. Talvez nos possa ajudar a enterrá-lo.

Por conseguinte, levaram-no para fora do palheiro e começaram a abrir uma fossa com a pá. Ao mesmo tempo, puseram-se a discutir — um achava que era suficientemente grande e o outro pensava o contrário.

— Está bem — acabou por dizer um. — O Paití e o nosso pai são da mesma estatura. Atiremo-lo a ele para a cova. Se couber, também servirá para o pai.

Assim, pegaram no cada vez mais alarmado Paití, largaram-no na abertura e lançaram-lhe em cima algumas pasadas de terra. Quando tentava levantar-se, um dos irmãos atingiu-o com a pá na cabeça. Deste modo, permaneceu deitado até que ficou totalmente coberto, enquanto soltava uivos de medo tão intensos que quase poderiam comover as pedras.

Finalmente, o dono da casa ouviu os gritos e inteirou-se da loucura que se desenrolava no palheiro. Levantou-se da cama, correu para lá e, quando abriu a porta, o infortunado Paiti já perdera o juízo em virtude do pânico.

— Céus! — bradou. — Que aconteceu?

— Fiz mal em ficar na tua casa — lastimou-se Paiti. — Deus e a Virgem Maria sabem bem a noite que passei.

— Vem comigo — indicou o outro. — Dar-te-ei de comer antes que sigas o teu caminho.

— Não, obrigado.

— Tens de me acompanhar, para que te compense de certo modo dos aborrecimentos que sofreste.

— Passei a noite mais horrível de toda a minha vida.

Quando terminaram de tomar o café da manhã, o homem disse:

- Tiveste muita sorte em vir ontem a minha casa, depois de vagueares por aí sem que ninguém quisesse receber-te. Doravante, não haverá nenhuma em que queiras entrar sem que sejas bem recebido, pois já tens uma bela e longa história para contar!

Fonte:
Ulf Diederichs, Palácio dos Contos. 
Lisboa/Portugal: Círculo de Leitores, 1999.

Nenhum comentário: