sábado, 19 de junho de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (Parte 42) O Chato

ALFINETE CARDOSO pega o telefone e liga para um número que está sobre a mesinha de centro escrito num papelzinho de cigarro. Espera. Na quinta vez, atende uma voz feminina.

— Bom dia! Pois não?

— Bom dia. De onde fala?

— Que número o senhor ligou?

— Este que estou falando com a senhora.

— Tudo bem, senhor, mas qual é o número?

— Minha linda, ai não é do Jóquei Clube?

— O senhor deve ter ligado errado. Aqui é da funerária Suba em Paz. O senhor queria ver o preço de uma urna mortuária?

— Credo em cruz, moça. Funerária? Tô fora. Obrigado.

Três minutos depois Alfinete Cardoso tenta novamente. Na pressa, e ligeiramente nervoso, pode, de fato, ter discado um número diferente ao invés do numeral correto. De novo, a espera. Na quinta vez é atendido. Desta feita, um homem de voz grossa se faz presente.

— Bom dia?

— Bom dia, meu amigo. Com quem falo, por favor?

— Com quem o senhor quer falar?

— Com o Durcaine do Jóquei Clube

— Não, meu amigo. Aqui não é do Jóquei Clube. E nem tem pessoa aqui com este nome. Como é mesmo o apelido do dito cujo que o senhor falou ai?

— Durcaine.

— Realmente o senhor se enganou...

— O que funciona ai?

— O inferninho do Camilinho... as melhores garotas da cidade.

— Meu Deus, não é possível. Inferninho do Camilinho?

— Sim senhor. Por que o espanto?

— Por nada, desculpe.

Impaciente, Alfinete Cardoso, faz nova tentativa. Aperta as teclas pausadamente, para não errar de novo. Mais uma espera embaraçosa o deixa meio que fora de si. Na oitava vez, atende uma mulher. Pela voz parece ser de uma idosa. Antes que ele diga alguma coisa, ela se antecipa e grita, ou melhor, explode.

— Até que enfim, seu cachorro. O que estava fazendo, que não me atendeu?

— Senhora, bom dia. Desculpe. Estou procurando pelo Durcaine...

— Não venha com esta história furada para meu lado. Estou esperando você com a carne para eu preparar e fazer os bifes. Aposto que parou no bar do Tadeu e encheu os chifres. Não se faça de idiota, nem mude a voz. Te conheço há sessenta anos. Durcaine, Durcaine, você vai ver o Durcaine quando chegar aqui. O pau de macarrão está te esperando... Vá lamber sabão. Traga a carne. Vai atrasar o almoço. Droga!

— Senhora... eu...

A furiosa senhorinha não se faz de rogada. Desliga nas barbas dele.

Alfinete Cardoso decide que tentará pela derradeira vez. Se não der certo desta, jogará o papelzinho fora e o tal do Durcaine, que vá para os quintos do inferno com o Joquei Clube e tudo mais que tiver direito. Ao selecionar as teclas marcando os números desejados, percebe que as suas mãos tremem bastante, em face, claro do nervosismo que o atormenta. Na décima segunda vez (quando pensava em interromper a ligação) atende uma criança.

— Oi... quem é?

— Sou eu... é vovô?

Alfinete Cardoso se abre num sorriso amarelo. Fala com certa ternura na voz.

— Como é seu nome?

— O meu?

— Sim!

— Lulu...

— Lulu, que nome bonito. A sua mamãe está?

— Acho que está...

— Chama ela pro titio.

— É vovô... vô, por que o senhor esta mudando a voz?

— Não, não é o vovô e nem estou mudando a voz.

— Quem é?

— Minha princesinha, chama a sua mamãe pro titio.

— É vovô. Vovô, o senhor está me fazendo de boba?

Alfinete Cardoso, mais irritado que poste fugindo de cachorro mijão, não desliga o telefone. Ele joga, ensandecido, o aparelho com toda força, em direção à parede. Por azar, acerta, em cheio, a cabeça da mulher dele, que atravessava, da cozinha para o quarto, justamente naquele instante.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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