domingo, 6 de junho de 2021

Carolina Ramos (Frustração)

Quem não gostaria de ver, no habitat, um bicho vivo, solto e feliz, em pleno gozo de seus direitos?

Pois em minhas andanças por este mundo de Deus, deixando de lado os encantos turísticos, artísticos, sacros e culturais que tanto nos arrebatam, tenho notado que, em cada lugar que visito, há sempre um animalzinho a marcar presença de modo bastante pitoresco, e que acaba por incluir-se no rol de minhas lembranças, sem que o perceba.

Não me esqueço da emoção, misto surpresa, quando, lá por Goiás, em tempos idos, parei o carro para admirar um lindo tucano empoleirado num galho à beira da estrada.

Com suas cores e inconfundível bico, eclipsava a paisagem, dono absoluto do momento! Magnífico!

Logo depois, doloroso impacto: - estendido, naquela mesma estrada, um tamanduá com sua cauda franjada manchada de sangue! Um pedacinho do Brasil selvagem literalmente atropelado pelas rodas do progresso! Num mesmo dia, com diferença de minutos, duas emoções fortes, contraditórias e inesquecíveis! Vida e morte, in loco, a poucos passos uma da outra!

Sempre gostei muito de animais... não fora, o Poverello de Assis, meu padrinho!

Mas sempre gostei de animais saudáveis e livres, como os saguis mineiros, da praça de Lavras, já quase sumidos; as maritacas barulhentas de Pousada do Rio Quente. Indo mais longe, aqueles gatos e cachorros de minha infância, e, retomando ao presente, os gatos e cachorros criados por meus filhos que ainda habitam uma casa, já que agora as paredes de um apartamento são hostis àqueles fieis amiguinhos de quatro patas, que não gostam de confinamento.

Neste passeio pelas ruas das lembranças, passo para a área internacional e surge ainda aquele esquilo atrevido, que sob o frio intenso de Bethesda, próximo a Washington, deu-me um valente susto, ao saltar de uma árvore, quase sobre meus pés!

Anos mais tarde, outro esquilo, este londrino, mansamente atenderia ao meu chamado no Hyde Park, chegando bem pertinho de minhas mãos, para fugir em seguida, desapontado, ao vê-las lamentavelmente vazias, sem nada a lhe oferecer, a não ser o meu carinho... que dispensou! E aquela numerosa família de coelhos silvestres, surgida de repente, numa noite de lua, resolvida a passear, tranquilamente, por uma das calçadas de Amsterdã, atropelando os pés surpresos de uma família brasileira?!

Todavia, é melhor não dar prosseguimento a este desfile de animaizinhos que algum dia trançaram seus passos aos meus, sem antes explicar o porquê destas lembranças.

Não me move o desejo exibicionista de abrir o passaporte, há muito desatualizado, para expor carimbos internacionais. É certo que gosto de viajar! E quem não gosta?! Mas, hoje, não troco o cômodo prazer da leitura de um bom livro (também deliciosa forma de viajar) por qualquer outra espécie de prazer mundano. E falar sobre alguns bichinhos inofensivos, que encontrei por aí em minhas andanças, sempre é mais agradável, quem sabe, do que falar sobre certa gente, que também por aí anda e que rosna e morde, quando menos se espera!

Na verdade, tudo isto veio à luz em virtude de uma frustração recente.

Há muito, eu desejava ver um lobo-guará, soltinho da silva em seu ambiente natural. Por isso mesmo, já cogitara até visitar o velho mosteiro de Caraças, lá pelas bandas de Belo Horizonte, onde esses dóceis animais se aproximam sem medo, à hora do Angelus, para receber alimentos e acabar por virar atração pública. Mas essa visita, sempre adiada, vai sendo, aos poucos, engolida no tempo.

O que acabo de dizer, reporta-me a uma viagem, não tão recente, por solo mineiro, quando voltava de Alfenas, cidade que julgava menor do que realmente é.

Anoitecia. Eu ocupava o banco traseiro do carro dirigido por meu filho, que tinha ao lado a esposa que Minas lhe concedera. Junto a mim, outra filha e genro.

De repente, a prosa em família foi subitamente interrompida por violenta freada que, por sua vez, arrancou exclamações de surpresa dos demais companheiros de viagem!

Assustada e de coração acelerado, a imaginar a iminência de um atropelamento, fechei os olhos e tampei os ouvidos, como fazia em criança, para não ver o baque e nem escutar os gemidos de uma possível vitima! Silêncio pesado abatia-se sobre nós!

Por instantes, ninguém falava... Nem parecia respirar!

Só consegui abrir os olhos quando o entusiasmo geral saudava, com alarido, o fim daquele mágico e precioso instante!

Precioso, sim... e mágico também… uma vez que, naquele preciso momento, um fantástico exemplar de lobo-guará, ofuscado pelos faróis, parara por segundos, à frente do carro, bem no meio da estrada… com risco de ser atropelado... para logo embrenhar-se na vegetação marginal!... E eu?... De olhos fechados!!!

Era ele, exatamente ele, identificado por todos! - Ou seja, aquele magnífico exemplar descrito pelos dicionários como "maior canídeo nacional, pelo avermelhado, tímido e inofensivo, de quase um metro de altura" - Era ele, aquele lobo-guará que eu tanto desejava e do qual nem rastro vi!

Frustração total! - Mas... É assim mesmo que as coisas acontecem! Ironias da vida! - Quantas vezes, tudo aquilo que mais desejávamos ver, nos surge diante dos olhos e... Sabe-se lá por quê? – Mantemos os olhos fechados, deixando que tudo escape... E sem chance de volta!!!

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: Mônica Petroni Mathias, 2021. Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

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