Segundo os índios tembés*, nos tempos míticos o fogo tinha um único dono: o urubu-rei. Como o urubu era muito avaro da sua preciosidade, os índios não podiam fazer uso de chama alguma, e quando queriam comer carne só lhes restava o expediente de expô-la longamente ao sol.
Isso foi até o dia em que um índio mais destemido resolveu dar um fim àquilo.
– Vamos atrair o urubu-rei e a sua tropa inteira – disse ele, matando uma anta enorme.
Depois de sangrarem bem o bicho, eles deixaram o cadáver exposto ao sol, para atrair os urubus.
Não demorou muito e o urubu-rei, atraído pelo fedor da carniça, desceu sobre a anta.
– Viva, temos hoje banquete farto! Vamos lá, companheiros, há carniça para todos! – disse ele, dando um grasnido.
Logo o céu anoiteceu com a chegada de uma verdadeira nuvem de urubus. A bicharada caiu sobre a anta, mas alguém teve a ideia de acender um fogo e preparar a carne na grelha, ou no moquém, como se diz entre os índios.
– Carne moqueada também tem lá suas delícias! – disse o urubu-rei, retirando de debaixo da asa negra um tição muito bem escondido para acender a grelha.
Os urubus, naquele tempo, tinham o dom de se transformar em gente e, assim, antes de se lançarem à comilança, despiram as asas e ficaram com a aparência de homens (daí, talvez, o gosto que tinham em assar a carne, ao invés de comerem-na crua, como hoje normalmente fazem).
– Ufa! Que calorão! – disse o urubu-rei, despindo o manto de penas.
Nus feito gente, os urubus atiraram-se finalmente à carne, e justo neste instante, irrompendo de dentro da mata, surgiram os índios, de olho aceso no fogo que ardia na grelha.
– Depressa! Apanhem um tição! – gritou o velho pajé, organizador do assalto.
Um grito de alerta do urubu que vigiava avisou, entretanto, os demais, e logo todos vestiram seus mantos negros de penas e levantaram voo estabanadamente. Antes de partir, o urubu-rei tomou a última fagulha que ardia na grelha e, depois de ocultá-la debaixo da asa, juntou-se às demais aves no céu.
O pajé correu alucinadamente até a grelha, remexeu no borralho e encontrou um último caquinho de carvão, com uma listrinha laranja correndo
pra lá e pra cá.
– Aqui! Aqui! – gritou ele aos demais. – Vamos, assoprem, não deixem apagar!
Quinze bocas cercaram o carvãozinho e começaram a assoprá-lo agoniadamente, mas o fizeram com tanta força que a listrinha laranja acabou por se finar, e o carvão nunca mais se acendeu.
– Idiotas! – exclamou o pajé, irado.
Quando se acalmou um pouco, porém, viu que a anta ainda estava quase inteira.
– Eles voltarão logo – disse ele, animando-se outra vez. – Desta vez, vou ficar bem próximo da grelha, e vocês desapareçam e só surjam quando eu ordenar o ataque!
Os tembés fizeram como o pajé ordenara, enquanto ele tratava de cavar um buraco bem ao lado da carniça a fim de se enfiar ali dentro. O mau cheiro da anta decomposta era insuportável, mas quem disse que furtar fogo era coisa fácil e prazenteira?
Dali a pouco, os urubus voltaram, loucos de fome. Após despirem seus casacos pretos, que fediam mais do que a carniça, reacenderam o fogo e recomeçaram a banquetear-se.
Enquanto comiam, o pajé aproveitou para irromper da sua toca, ágil como uma marmota, e meteu a mão dentro da grelha para apanhar um tição.
Assustados, os urubus apanharam suas vestes e levantaram voo outra vez. O urubu-rei ainda tentou resgatar o tição, ou pelo menos extingui-lo na mão do pajé, fazendo uma ventania danada com as asas, mas o velho índio cerrara os dedos com tanta força que nem um furacão teria como apagá-lo.
Isso foi até o dia em que um índio mais destemido resolveu dar um fim àquilo.
– Vamos atrair o urubu-rei e a sua tropa inteira – disse ele, matando uma anta enorme.
Depois de sangrarem bem o bicho, eles deixaram o cadáver exposto ao sol, para atrair os urubus.
Não demorou muito e o urubu-rei, atraído pelo fedor da carniça, desceu sobre a anta.
– Viva, temos hoje banquete farto! Vamos lá, companheiros, há carniça para todos! – disse ele, dando um grasnido.
Logo o céu anoiteceu com a chegada de uma verdadeira nuvem de urubus. A bicharada caiu sobre a anta, mas alguém teve a ideia de acender um fogo e preparar a carne na grelha, ou no moquém, como se diz entre os índios.
– Carne moqueada também tem lá suas delícias! – disse o urubu-rei, retirando de debaixo da asa negra um tição muito bem escondido para acender a grelha.
Os urubus, naquele tempo, tinham o dom de se transformar em gente e, assim, antes de se lançarem à comilança, despiram as asas e ficaram com a aparência de homens (daí, talvez, o gosto que tinham em assar a carne, ao invés de comerem-na crua, como hoje normalmente fazem).
– Ufa! Que calorão! – disse o urubu-rei, despindo o manto de penas.
Nus feito gente, os urubus atiraram-se finalmente à carne, e justo neste instante, irrompendo de dentro da mata, surgiram os índios, de olho aceso no fogo que ardia na grelha.
– Depressa! Apanhem um tição! – gritou o velho pajé, organizador do assalto.
Um grito de alerta do urubu que vigiava avisou, entretanto, os demais, e logo todos vestiram seus mantos negros de penas e levantaram voo estabanadamente. Antes de partir, o urubu-rei tomou a última fagulha que ardia na grelha e, depois de ocultá-la debaixo da asa, juntou-se às demais aves no céu.
O pajé correu alucinadamente até a grelha, remexeu no borralho e encontrou um último caquinho de carvão, com uma listrinha laranja correndo
pra lá e pra cá.
– Aqui! Aqui! – gritou ele aos demais. – Vamos, assoprem, não deixem apagar!
Quinze bocas cercaram o carvãozinho e começaram a assoprá-lo agoniadamente, mas o fizeram com tanta força que a listrinha laranja acabou por se finar, e o carvão nunca mais se acendeu.
– Idiotas! – exclamou o pajé, irado.
Quando se acalmou um pouco, porém, viu que a anta ainda estava quase inteira.
– Eles voltarão logo – disse ele, animando-se outra vez. – Desta vez, vou ficar bem próximo da grelha, e vocês desapareçam e só surjam quando eu ordenar o ataque!
Os tembés fizeram como o pajé ordenara, enquanto ele tratava de cavar um buraco bem ao lado da carniça a fim de se enfiar ali dentro. O mau cheiro da anta decomposta era insuportável, mas quem disse que furtar fogo era coisa fácil e prazenteira?
Dali a pouco, os urubus voltaram, loucos de fome. Após despirem seus casacos pretos, que fediam mais do que a carniça, reacenderam o fogo e recomeçaram a banquetear-se.
Enquanto comiam, o pajé aproveitou para irromper da sua toca, ágil como uma marmota, e meteu a mão dentro da grelha para apanhar um tição.
Assustados, os urubus apanharam suas vestes e levantaram voo outra vez. O urubu-rei ainda tentou resgatar o tição, ou pelo menos extingui-lo na mão do pajé, fazendo uma ventania danada com as asas, mas o velho índio cerrara os dedos com tanta força que nem um furacão teria como apagá-lo.
No fim de tudo, os urubus sumiram nos céus, e o pajé viu-se dono do tição, que ainda ardia em sua mão. Que Anhangá o carregasse se aquilo não ardia como cem mil espetadas!
Como um Prometeu enlouquecido, o pajé tratou de atear fogo em todas as árvores de lenho incandescente que encontrava, a fim de preservar a chama, e teria colocado fogo na mata inteira se os demais índios não tivessem corrido para apagar aquelas labaredas todas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
* Tembé
Os Tembé constituem o ramo ocidental dos Tenetehara. O grupo oriental é conhecido por Guajajara. Sua autodenominação é Tenetehara, que significa gente, índios em geral ou, mais especificamente, Tembé e Guajajara. Tembé, ou sua variante Timbé, constitui um nome que provavelmente lhes foi atribuído pelos regionais. Vivem no Pará e Maranhão. De acordo com o linguista Max Boudin, timbeb significaria "nariz chato".
A unidade básica da estrutura social Tembé é a família extensa, que se constitui na unidade de produção. Um líder familiar atrai jovens trabalhadores e fortalece o seu grupo por meio das próprias filhas e as filhas de seus irmãos, de modo que ele procura sempre "adotar" as mulheres cujos pais venham a falecer. O chefe coincide, portanto, com o líder de um grupo familiar cujo poder é avaliado pelo número de indivíduos a ele ligados pelas obrigações de parentesco e matrimoniais, pois o genro deve trabalhar nas roças dos sogros, junto aos quais mora, pelo menos até o nascimento do primeiro filho.
Dentro da família mais ampla, os pais ou a mãe viúva mantêm a posição de autoridade. Como as esferas pública e privada são pouco diferenciadas, a política torna-se doméstica e a mulher chega a ser líder do grupo em determinadas situações. Na década de 80, entre os Tembé do Gurupi, o líder de maior prestígio era a "capitoa" Verônica e duas outras aldeias eram constituídas de famílias extensas agrupadas em torno das "velhas" e viúvas de "capitão".
As aldeias, que variam consideravelmente de tamanho, localizam-se em barrancos elevados na beira do rio, próximo às roças. As casas são cobertas com ubim e as paredes são de troncos finos de palmeira, de cascas de árvores ou simplesmente não existem. No posto indígena, são de taipa. Cada casa abriga uma família elementar, sendo que as pertencentes à mesma família extensa ficam próximas umas das outras. Só a aldeia do posto possui uma grande casa cerimonial. Nas outras aldeias, o principal espaço de uso coletivo são as casas de farinha.
O casamento se faz preferencialmente entre primos cruzados do segundo grau que morem na mesma aldeia. Casamentos com regionais, que foram importantes no período em que a população Tembé estava em queda, têm sido preteridos em favor dos casamentos com os Ka'apor, grupo indígena vizinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário