sábado, 30 de dezembro de 2023

A. A. de Assis (Por quem os sinos dobram?)

 Nenhum homem é uma ilha (no man is an island); todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um pequeno fragmento de terra é levado pelo mar, o continente fica menor. Assim também a morte de qualquer ser humano me diminui, leva um pouquinho de mim, porque sou parte da humanidade. Por isso, quando alguém morre, não pergunte por quem os sinos dobram (for whom the bells toll); eles dobram por mim, dobram por você, por todos nós. 


Esses versos célebres do poeta inglês John Donne (1572-1631 ) soam sempre muito fortes – e aqui em Maringá parece que mais fortes ainda –, especialmente quando nos despedimos de um pioneiro ou pioneira. Faz poucos dias foram lembrados, por exemplo, numa roda de velhos amigos, durante o velório de uma pessoa queridíssima – Dona Zaia (a poeta Maria Bastos de Carvalho), esposa do saudoso contabilista, jornalista e também poeta Benedito Moreira de Carvalho. Aliás, numa coincidência comovente: ela foi para o céu exatamente no mesmo dia (21 de abril) e na mesma hora em que Benedito partira 23 anos antes.   

Mas os sinos não dobraram somente por Dona Zaia; dobraram por todos nós, visto que com ela foi um pouquinho de cada um dos que, como ela e Benedito, ajudamos a formar esta cidade.

No princípio eram poucas famílias, depois aos poucos foram chegando outras, cada qual ajudando cada qual a dar os primeiros passos. A população cresceu muito nesse meio tempo, no entanto ainda somos bem íntimos. Claro que não conseguimos mais saber os nomes de todos/todas, no entanto de alguma forma nos conhecemos. Com frequência nos encontramos em algum lugar: na escola dos filhos, na igreja, no supermercado, no shopping, na farmácia, na fila do banco, na padaria, no estádio, na pista de caminhada, no clube.

“Não sei quem você é, mas sei que é daqui, é um dos nossos”. “Ah, sim, estivemos juntos numa festa de casamento”. “Vi sua foto no jornal”. “Você me atendeu na sua loja”. “Tive um problema no trânsito e você me ajudou”. “Conheço você pelo facebook”. “Vejo você passar quase todo dia em frente à minha casa”. “Você pode não se lembrar, mas conversamos há poucos dias na sala de espera do médico”. “Viajamos juntos uma vez”. “Você não me conhece, mas conheço seu pai há muitos anos: fomos colegas de trabalho numa imobiliária”.      

Por ser Maringá uma comunidade nova, e porque a gente vem caminhando juntos desde o comecinho, os laços se fizeram mais fortes, de modo que nos tornamos quase irmãos/irmãs.

Mas aí, num dia qualquer, a gente ouve ou lê a notícia de que fulano/fulana faleceu. Dá aquele choque. Que triste. Era uma ótima pessoa. Vai fazer muita falta. Então a gente muda a agenda e dá uma passada no velório para fazer uma oração e apresentar solidariedade aos familiares. Lá encontramos outros amigos e amigas que havia tempo a gente não via. Choramos juntos. Um pedacinho de cada um de nós está indo embora.

Nesses momentos, como Rubem Braga, “lembramos somente as coisas douradas e dizemos apenas ‘adeus’, a pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo”.  

Ou talvez nos limitemos a murmurar o que recitou Machado para Carolina: “Trago-te flores – restos arrancados da terra que nos viu passar unidos”.

Ou simplesmente fechamos por um instante os olhos e ouvimos Santo Agostinho a nos dizer: “Você que aí ficou, siga em frente; a vida continua, linda como sempre foi”.

(Crônica publicada no Jornal do Povo em 01.junho.2023)

Nenhum comentário: