esta injusta distorção:
caviar em mesa rica,
e na do pobre, nem pão!
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A saudade em seu assédio,
se, à noite, insone eu me deito,
ocupa o lugar que o tédio
ocuparia em meu leito.
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Construiu a eternidade,
ao selar o nosso adeus,
ponte feita de saudade
entre meus braços e os teus!...
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Depois de tua partida
por desavença banal,
o que foi "a doce vida"
hoje é uma vida sem sal!
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Em nosso mundo, até quando
haverá mundos distintos?
A ganância alimentando
a multidão de famintos...
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Envolta em brilhos e cores,
a natureza se esmera
para, em delírio de flores,
eclodir na primavera.
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Foi um lar... Hoje — eu confesso —
é tapera em desalinho,
esperando teu regresso
para ser de novo um ninho.
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Minha amada ouve a seresta
na moldura da janela,
e o luar, fazendo festa,
brilha mais no rosto dela.
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Não vens... e, já quase à aurora,
com tua ausência me deito.
Chora a neblina lá fora,
chora a saudade em meu leito.
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Não vens... e, sempre evasivo,
esse teu amor bissexto
denomina de "motivo"
o que eu chamo de "pretexto".
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Na praça da adolescência,
belas fontes luminosas
jorravam, em sua essência,
promessas de um mar de rosas...
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No poente, nosso amor
perde os arroubos de outrora,
mas, sem perder o frescor,
ganha ternuras de aurora.
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Notícias sensacionais
que ouviremos algum dia:
— Paz mundial! Bombas não mais...
explosões... só de alegria!
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O nosso amor teve fim,
mas ficaste em minha história,
pois te vejo junto a mim
pelos olhos da memória.
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Ontem, estrela em cartaz,
hoje, uma atriz decadente:
seu brilho foi tão fugaz
quanto o da estrela cadente!
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Os estalidos ardentes
da floresta na queimada
são os protestos candentes
da natureza violada.
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O sol-por, ao se esvair,
cede à penumbra os espaços,
e, quando a noite cair,
caia você em meus braços!
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Pago um preço alto demais
pela espera que não finda...
— Diz a razão: "Não vem mais"
— E a esperança; "É cedo ainda..."
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Partiste... e meu desencanto,
vendo ruir a ilusão,
escorre em gotas de pranto,
orvalhando a solidão.
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Percebo, agora, tristonho,
que, ao fim da minha viagem,
para manter vivo um sonho,
eu vivi só de miragem.
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Pintor, com tintas de amor,
às sombras não dou guarida,
porque Deus é o co-autor
do painel da minha vida.
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Por não ter destinatário,
notícias que invento a esmo,
em meu viver solitário,
sempre as remeto a mim mesmo.
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Quanta atrocidade encerra
o pretexto tão falaz
de quem leva um povo à guerra
sob a bandeira da paz!
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Quanto mais o céu eu fito
— que é de Deus o imenso império
mais vislumbro no infinito
um infinito mistério...
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Sejam fome e guerra extintas,
não mais violência e opressão:
nutram-se as bocas famintas,
não a boca do canhão!
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Teu amor, sonho distante,
porque és pedra lapidada,
mais brilhante que o brilhante,
e eu, pedra bruta... mais nada!
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Fonte: Wanda de Paula Mourthé. Com…passos de emoções. Belo Horizonte: Flux, 2013.
Enviado pela trovadora.
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