segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Viviane das Graças Vieira Bufalari (Ócios do pacote)

Dizem que enquanto um brasileiro descansa um chinês trabalha. Não duvido, nem contesto, acho até uma teoria interessante. Mas já se viu em outro país um funcionário como o brasileiro? Temos o dom de absorver serviços inimagináveis, não somos os mais ágeis ou infalíveis, porém se erramos, o fazemos com classe e sabemos ser flexível.

Trabalhei num respeitável setor de pacotes de uma renomada loja em minha cidade. Foi um bom emprego, o meu melhor primeiro emprego, lá eu presenciei diariamente situações que me proporcionaram um aprendizado incomensurável.

Havia coisa que eu amava outras, no entanto, que dói só de lembrar. Vi de perto algumas situações que me levaram a observar algumas curiosidades, como por exemplo, o fato das pessoas se preocuparem tanto com a opinião de terceiros.

A mulher compra uma bacia – o item varia podendo ser uma caixa de isopor ou uma panela industrial – o caso é que não há uma sacola que comporte tais produtos. E então? Pelo estranho desconforto em imaginar a reação das outras pessoas ao verem esse objeto sendo carregado pelas ruas e ônibus, as pessoas fazem a seguinte opção, para o desgosto do empacotador:

- Pode passar um papel?

E ainda arrematam:

- É para as pessoas não ficarem olhando.

Passar um papel?! Sabe que papel é esse? É manilha ou Kraft e dependendo da situação financeira e do humor do funcionário pode ser até jornal. Pobre, pobre, pobre! Se não é tão pobre, é pobre e feio.

No lugar de uma bacia de cor saliente e grande utilidade doméstica, a dona de casa se propõe a andar com um estranho e gigante embrulho atraindo olhares curiosos e críticos. Contraditório e esquisito!

Outro caso que leva a loucura o mais simpático empacotador é a pessoa que apresenta uma pequena sacola para ser guardada e quando este com toda gentileza lhe oferece a senha de pequenos itens, ela faz sinal para que entre toda a família com sacolas, malas e caixas.

Sem falar daqueles clientes que invadem o balcão para pegar suas coisas, ou ameaçam o pobre funcionário ao serem parados para guardar as sacolas.

Existem clientes carentes e atendentes carentes, são aqueles que mendigam uma conversa, ainda que boba falando sobre  o tempo. Em meio ao silencio de um embrulho o cliente começa a contar para quem é o presente e termina citando a manchete do jornal de domingo. Funcionário carente é o que em poucos minutos passa a falar mais do que o cliente revelando seus traumas e expondo sua intimidade.

Entre casos e acasos do cotidiano de cada trabalhador, convive-se com o difícil contraste entre o que somos e o que fazemos, conciliar essa situação pode ser exaustivo, contudo acredito que ninguém o faça melhor do que o brasileiro. Pelo menos não com tanta alegria, criatividade e excelência atrás ou na frente de um balcão.

Fonte: Sorocult. site desativado. acesso 9.1.2016.

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