Segue-se, contudo, uma derradeira aventura, improvisada, que ainda envolve um cavalo, muito embora esse cavalo trotasse em minha vida, anonimamente e por apenas algumas horas.
Para conta-la, no entanto, o salto terá que ser bastante grande. E se digo salto é por que, de repente, lá pelos meus setenta e poucos anos de idade, a vida deu-me de surpresa um derradeiro passeio a cavalo.
Foi em São Bento do Sapucaí, cidade ao pé da serra de Campos do Jordão, que a inusitada aventura aconteceu.
Há dias, lá estávamos hospedados, meu marido, eu e a neta Mariana, que teria no máximo uns cinco ou seis anos de idade.
Às tantas, Mariana demostrou que gostaria de passear a cavalo. Algumas gotinhas do sangue da avó, estimuladas pelo contato mais íntimo com a natureza, devem ter-lhe borbulhado nas veias.
O avô Cláudio pôs-se ao largo, logo descartando a ideia. Pegando o pião na unha, aceitei a proposta com entusiasmo, esquecida até mesmo das naturais restrições impostas pela idade.
Neta e avó logo cedo, deliciavam-se a passear, sem pressa pela estrada pouco movimentada, ladeada por altas árvores que, vez ou outra, cediam espaço generoso para que a paisagem se impusesse, tépida e dourada de sol.
Em conversa animada, seguiam ambas a passo lento, em suas montarias, quando, de repente, sucedeu exatamente aquilo que em linguagem popular pode ser chamado de "repeteco" daquilo que acontecera lá em Campos do Jordão, na Lagoinha - já relatado com minúcias.
Desta vez, um gato, amoitado à beira do caminho, saltou atravessando subitamente a estrada, com risco de ser atropelado pelas patas do cavalo por mim montado que, por sua vez, "passarinhou" violentamente, erguendo-se nas patas traseiras em toda sua altura!
Para mim, motivo de júbilo! Um mata saudades delicioso que me permitiu constatar, feliz, que meus tradicionais dotes de boa amazona, embora adormecidos, ainda estavam perfeitamente em dia... E isto na casa dos setenta! - Exultei, como se de repente tivesse retornado à primavera daqueles deliciosos quinze anos... tão longínquos!
Entretanto, ao tentar casar minha emoção com a da netinha, percebi decepcionada, que, Mariana, olhos muito assustados, ameaçava chorar, implorando, urgentemente, para que a ajudasse a descer do seu cavalo.
Tentei acalmá-la.
- O que é isso, querida?! A vovó está acostumada com cavalos desde pequenininha! O meu assustou-se... mas eu não estou assustada, não! Até que gostei do que aconteceu! Desde menina, quando um cavalo se erguia nas patas, pondo-se em pé, é que eu mais gostava! E olhe... Nunca um deles me derrubou! Nunca, mesmo, querida!
- Mas eu quero descer! - choramingava Mariana inconformada, sem dar ouvidos ao discurso.
E então, desisti de acalmá-la... Fiz o que a neta pedia, uma vez que o seu derradeiro argumento me convenceu plenamente.
De olhos marejados, Mariana, enfática, fez-me uma só pergunta... E, o tom angustiado dessa pergunta atou-me de pés e mãos;
- Mas, vó... e se o MEU cavalo resolver fazer a mesma coisa que o SEU cavalo fez?!...
Acudiu-me a imagem daquele rapaz de nariz empinado estatelado no chão, embora, graças a Deus, ileso. E foi o suficiente! - Sem mais argumentos, curvei-me ao veemente pedido da neta.
Foi também naquele exato momento, que minha inesperada e derradeira aventura hípica encerrou-se em definitivo. Convenhamos, até que já era hora!
Neta e avó voltaram para casa a pé... a puxar pelas rédeas dois pangarés dóceis, sem dúvida felizes por não terem alguém a lhes pesar no lombo.
Fonte: Carolina Ramos. Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos. Santos/SP: Ed. da Autora, 2023. Enviado pela autora.
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