domingo, 17 de dezembro de 2023

Caldeirão Poético LXXIV


Noemise Machado França Carvalho
São Paulo/SP

CONVERSANDO COM ESTRELAS

Olhava andar no céu pequena estrela aberta,
no escuro azul remando o barco pequenino.
Foi quando, em mim descendo a rósea chama esperta,
a estrela entrelaçou ao meu o seu destino.

E vindo de tão longe, uma ilusão desperta:
Acreditei no amor, brinquedo de menino.
Quis ter a claridade em minha estrada incerta,
ter o meu andor, embora pequenino.

Viveu comigo a estrela, em noite cor-de-rosa,
em madrugada azul ou tarde mais chuvosa.
Comigo, não chorou o céu de onde descia.

Na vida fui feliz!... Chegando um certo dia,
a estrela disse adeus e em pranto me deixou...
Que posso mais fazer, se a vida se acabou?
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Orlando Cavalcanti
Campo Belo/MG, 1912 – 1982, Belo Horizonte/MG

DERROTA

Caminheiro de aspérrimas jornadas,
deixei um dia a minha triste aldeia.
Tostei-me ao sol de todas as estradas,
ajoelhei-me ante o altar da lua cheia.

Às mentiras de luz das madrugadas,
da derrota beijei o pó e a areia.
Mas, nas surpresas das encruzilhadas,
uni a minha dor à dor alheia.

E eis-me, afinal, no píncaro do monte!
E a perscrutar na fímbria do horizonte
os roteiros incertos de meus passos,

só vejo a minha sombra comovida
acompanhando os funerais da vida
com o cadáver dos sonhos em seus braços!
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Paschoal Villaboim Filho
Rio de Janeiro/RJ

TOLERÂNCIA

— Tolerância — cutelo que equilibra
as agressividades dessa gente
que traz uma tensão em cada fibra
sempre a pulsar descompassadamente.

— Quem na possui? — O homem que se libra
da serpente do orgulho, da serpente
que traz em cada anel o ego que vibra
como os prótons e os nêutrons da corrente.

A tolerância é fruto da paciência
e da meditação, da penitência,
regado pelas lágrimas da dor.

Mas para possuí-la, meu amigo,
planta-a em ti mesmo como o grão de trigo
que ao sol germina em florações de amor...
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Raimundo Brasil
???

LUZ DE CANDEEIRO

Buscando o Ocaso, em fúlgido crescente,
o luar... o doce luar, desaparece.
A noite em meio. O Céu, puro e silente,
recamado de estrelas, estremece.

Leio. O meu pensamento se embevece
nessa leitura e nesse luar poente.
Ah! se, das sombras, tua imagem viesse,
na asa de um sonho incontentado e ardente!...

E a noite avança, plácida e tranquila.
Baixo o candeeiro. A luz, de quando em quando,
numa serena vibração, cintila.

E à proporção que vem nascendo o dia,
dentro do vidro a luz vai se apagando,
num frêmito azulado de agonia.
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Salomão Jorge
Petrópolis/RJ, 1902 – 1991, São Paulo/SP

O RELÓGIO

No meu quarto sem luz, sofro sozinho,
vendo-te, sombra pálida de alguém,
de alguém que é o meu consolo o o meu carinho,
única aspiração, único bem!

Estrela da manhã do meu caminho,
ninguém, como eu, te quer, ninguém, ninguém...
Sem ti não beberia o amargo vinho
da vida, rosa ideal que nunca vem!

E de ti como escalda a minha sede!
Tudo parece ter pena de mim,
mesmo o velho relógio da parede.

Relógio! — Ela virá? — Pergunto em vão.
o ponteiro seguindo diz que sim,
e o pêndulo chorando diz que não.

Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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