Em tempos que lá vão, num dia ensolarado do princípio da primavera, uma velha mulher, de sessenta e poucos anos, estava sentada em frente da sua casa e catava piolhos. No pátio, um pardal saltitava. Algumas crianças que brincavam por ali começaram a atirar pedras no pássaro e uma delas, acertando, quebrou-lhe as costas. Enquanto este se contorcia no chão, esforçando-se debalde para erguer voo, um corvo que passava flechou em sua direção.
— Oh! que horror! O corvo vai pegá-lo! — gritou a velha.
E correndo para perto do pardal, ergueu-o. Depois, bafejou-o com seu hálito quente, soprando-o, e deu-lhe de comer. Colocou a avezinha num pequeno tonel, e recolheu-o para dentro de casa, para passar a noite.
Na manhã seguinte, deu-lhe algum arroz e preparou-lhe um remédio com pó de cobre. Os seus filhos e netos disseram, caçoando:
— Ora, vejam que mulher tão amável! Agora resolveu cuidar dum pardal!
Sem fazer caso, a velha continuou a cuidar ternamente do pardal, por muitos meses, até que, afinal, logrou pô-lo novo, ágil e lampeiro. Conquanto fosse um mero pardal, ele sentia-se muito venturoso e grato àquela que lhe tinha restaurado a saúde. Toda vez que a boa mulher saía de casa, por mais breve que fosse a incumbência, deixava ordens expressas à família:
— Olhem o pardal e não o deixem sem alimento.
Os filhos e netos riam-se dela e mimoseavam-na com gracejos.
— Que engraçado! Por que tanto incômodo por causa dum pardal?
— Podem dizer o que quiserem, mas é uma pobre criaturinha indefesa — argumentava ela.
E graça à sua solicitude, o pardal pôde afinal voar novamente.
— Agora nenhum corvo o pegará — disse a mulher e levou-o ao ar livre para ver se já voava bem. Quando o pôs na palma da mão e estendeu o braço, lá se foi ele, com um ruflar das leves asinhas.
Depois desse dia, na monotonia e solidão de sua vida, a mulher sentia saudades do pássaro. Dizia, às vezes:
— Que pena ele ter ido embora, ao cabo de tantos meses e dias em que eu o recolhia à noitinha e lhe dava de comer pela manhã!
Como de costume, todos riam dela.
Decorridos cerca de vinte dias, a mulher escutou o chilrear vibrante de um pardal lá fora.
— Ora, é um pardal! Talvez seja o mesmo, que voltou — pensou ela, e saiu para ver.
De fato, era o mesmíssimo pardal.
— Oh! que coisa comovente! Que comovente é que não se tenha esquecido de mim e haja voltado! — disse ela.
O pardal, depois de ter relanceado o olhar para a mulher, deixou cair do bico algo minúsculo com o evidente intuito de deixá-lo, fosse o que fosse, para ela e foi-se embora.
— Que terá deixado cair? — admirou-se a mulher.
Aproximou-se e constatou que o pássaro deixara cair apenas uma semente de abóbora.
— Alguma razão deve ter tido para trazer isto — conjeturou ela, apanhando a semente.
Seus filhos chasquearam:
— Que beleza! Agora recebe presentes de um pardal e dá-se ares de quem ganhou um grande tesouro!
— Podem dizer o que quiserem, vou plantá-la e ver o que acontece — respondeu a mulher, e fez o que dissera.
Quando chegou o outono, a planta deu farta messe de abóboras. Não eram do tipo usual, e sim muito maiores e em maior cópia. A mulher não cabia em si de contente. Por mais que as colhesse ou delas fizesse presente aos seus vizinhos, sobravam ainda, mais do que poderia utilizar.
Seus filhos e netos, que tinham zombado dela, comiam abóbora todos os dias.
Por fim, depois de ter distribuído abóboras a toda a gente do lugar, tomou a decisão de deixar curando sete ou oito das maiores e mais vistosas para fazer purungas. Escolheu-as e pendurou-as dentro de casa para secar. Depois que se passaram vários meses, inspecionou-os, julgando que por esse tempo, estivessem quase no ponto. Efetivamente, as abóboras tinham bela aparência, mas quando dependurou uma delas, surpreendeu-se ao constatar quão pesada estava.
Cortou-a assim mesmo, mas somente para descobrir que estava recheada com alguma coisa. Quando a despejou para ver o que seria, constatou que a abóbora eslava cheia de arroz branquinho! Admirada de tal prodígio, esvaziou o conteúdo da abóbora numa jarra grande, mas, mal tinha acabado de fazê-lo, eis que a abóbora estava de novo cheia, como quando principiara. Atônita e radiante de alegria, disse: – Isto é muito fora do comum. O pardal deve andar por trás disto.
Passou o arroz para as jarras e guardou-o na despensa. Quando examinou as outras abóboras, verificou que estavam também cheias de arroz. Podia despejar ou usar no arroz que quisesse, sobejava sempre muito mais do que podia aproveitar; assim, tornou-se uma mulher muito rica. Os outros aldeães pasmavam e lhe invejam a boa fortuna.
Então, os filhos da velha da casa vizinha disseram à mãe:
— Outras pessoas, embora não tenham nada diferente da senhora, conseguem ficar ricas, mas a senhora não sabe mexer uma palha.
Em consequência de tais queixas, a velha resolveu visitar a sua vizinha afortunada.
— Então, o que há, afinal de contas? Ouvi conversas sobre um pardal, mas, de fato, nada sei. Por favor, conte-me a história inteira, como aconteceu, desde o princípio.
— Tudo veio de eu plantar a semente de abóbora que um pardal deixou cair — respondeu a primeira mulher, e não quis fornecer mais detalhes.
Mas a segunda continuou a fazer pressão:
— Insisto em saber. Conte-me tudo, por favor.
A interpelada, julgando que não devia ser niquenta (que se ocupa de ninharias), nem guardar segredo do caso, contou:
— Tomei conta dum pardal que tinha quebrado as costas e tratei-o até ele sarar. Deve ter ficado tão agradecido que me trouxe uma semente de abóbora, que plantei. Foi isso o que aconteceu.
— Por favor, dê-me uma só dessas sementes — pediu a segunda mulher.
Mas a outra recusou:
— Eu lhe darei um pouco do arroz que estava dentro das abóboras, mas não lhe posso dar as sementes. Essas, digo-lhe francamente, não as posso dar a ninguém.
Tendo falhado em sua tentativa de obter uma semente, a velha começou a procurar com o máximo empenho, na esperança de descobrir também algum pardal de costas quebradas, de que pudesse cuidar, mas não conseguiu achar nenhum nessas condições.
Todas as manhãs, quando ia esquadrinhar o quintal, via por lá alguns pardais saltitando perto da porta dos fundos, debicando quanto grão de arroz houvesse espirrado por ali. Então, pegava em pedras e atirava-as nos pardais com a esperança de acertar algum. Como atirasse muitas pedras sobre numerosas aves, naturalmente acabou por atingir um, ferindo-o de modo que ele não pôde mais voar. Muito satisfeita da vida, acercou-se do passarinho e, depois de certificar-se de que suas costas estavam devidamente quebradas, apanhou-o, deu-lhe de comer e administrou-lhe remédios com imenso cuidado. Depois refletiu:
— Se a mulher da casa do lado obteve tanto em paga de haver tomado conta de um único pardal, quão mais rica eu não poderia ser se tivesse vários! Seria superior a ela e meus filhos haveriam de elogiar-me.
Espalhou um pouco de arroz numa peneira e ficou à espreita. Quando alguns pardais se ajuntaram ali para comer o arroz ela se pôs a jogar pedra atrás de pedra contra eles, até lograr abater três. Estimando que bastava por ora, colocou os três pardais feridos num tonel, pulverizou um pouco de cobre e deu a eles. Depois de vários meses de tratamento, todos se restabeleceram, Muito alegre, levou-os ao pátio e eles se foram, tatalando as asas.
— Como sou esperta! — refletiu a mulher.
Os pardais, no entanto, lhe votavam o ódio mais amargo, pois ainda que tivesse tratado deles, fora ela quem lhes partira as costas.
Uns dez dias mais tarde, os pardais regressaram. Muito contente, a velha tratou logo de ver se traziam algo nos bicos; com efeito, cada um deixou deles cair uma semente de abóbora, e partiu voando.
— Bem o esperava! — disse ela, e apanhando jubilosamente as sementes, plantou-as em três lugares diversos. Os rebentos brotaram com rapidez desusada e logo estavam bem grandes. Mas não deram tantas abóboras: apenas sete ou oito por pé. A mulher, entretanto, contemplava-as com um sorriso de ventura e dizia aos filhos:
— Vocês diziam que nunca prestei para nada, mas vou mostrar-lhes que valho mais que a mulher da casa vizinha.
Eles agora estavam persuadidos de que as coisas seriam como ela afirmava. Por serem as abóboras poucas, a velha, que tencionava extrair delas o máximo possível de arroz, não quis dai nenhuma a ninguém, nem comeu nenhuma ela própria.
Mas os filhos disseram-lhe:
— A mulher que mora ao lado deu algumas abóboras aos vizinhos e ela própria comeu algumas. Mais razão para fazer o mesmo tinha a senhora, que já começou por três sementes. Devia dar algumas de presente, e nós nos incumbiríamos de comer outras tantas.
Atendendo ao conselho, ela escolheu uma boa parte das abóboras e repartiu-as entre os vizinhos e a família. Mas a s abóboras provaram ser horrivelmente amargas, provocando náuseas e tonturas em todo o mundo. Todos que as comeram caíram gravemente doentes, e os indignados vizinhos, congregados e em compacta ordem unida. dirigiram-se à casa da presenteadora a fim de passar lhe solene sarabanda (descompostura).
Que droga nos terá impingido? — perguntavam uns aos outros. — Que grande vergonha! Até aqueles de nós que mal cheiravam uma, vomitaram! E ficamos todos tão adoentados que quase morremos.
Quando, porém, chegaram a casa, encontraram a mulher e os filhos jazendo pelo solo, a vomitarem espasmodicamente. Parecendo-lhes, assim, que já não havia grande proveito em fazer a queixa, os vizinhos se retiraram, cada um para sua casa.
Foi só ao cabo de dois ou três dias que todos se restabeleceram.
Então, a velha conjeturou: "Eu pensava em guardar as abóboras até que todas produzissem arroz, mas fomos muito precipitados em comê-las. Certamente foi por isso que aconteceu o acidente."
Ajuntou as abóboras que restavam e escondê-las. Passados vários meses, quando calculou que as abóboras estivessem no ponto desejado, dirigiu-se à despensa levando uns vasilhames para recolher o arroz que fosse despejando. Impava de contente e a sua boca de velha desdentada expandia-se em um riso que ia de uma orelha a outra, enquanto vertia numa tigela o conteúdo de uma das abóboras. Mas o que desta saiu, em vez de arroz, foram vespões, abelhas, centopeias, escorpiões, serpentes, e mais criaturas desse jaez que, caindo sobre ela, ferretoaram-na nos olhos, no nariz, e no corpo todo.
Contudo, no momento, a mulher velha não sentiu dor nenhuma. Pensou que fossem apenas grãos de arroz que esborrifavam da tigela e lhe batiam no rosto.
— Esperem um pouco, meus pardaizinhos! Vou dar um bocadinho para todos — disse.
Os inúmeros insetos venenosos que surgiam das sete ou oito abóboras picaram e morderam os seus filhos também, e a própria velha foi picada até morrer. Parecia que os pardais, que a odiavam por ela lhes ter quebrado as costas, haviam persuadido todos os insetos a se ocultarem dentro das abóboras e a os auxiliarem em sua vingança. O pardal da casa ao lado ficara reconhecido à velha que cuidara dele e o restituíra à saúde, quando suas costas estavam quebradas e ele se via em perigo iminente de ser arrebatado por um corvo.
Não devemos ter inveja dos outros.
Fonte: Contos Japoneses (Uji Shui Monogatari)século XIII
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