Sei que tu’alma carinhosa e mansa
Voou, sorrindo, para o azul celeste;
Sei que teu corpo virginal descansa
Aqui da terra num cantinho agreste.
Tudo isto sei: mas tu não me disseste
Se lá no céu, na pátria da Esperança,
Ou aqui no mundo, à sombra do cipreste,
Deixaste o coração, loura criança!
Desceu acaso com o corpo à terra
Ele tão puro e que só luz encerra?
Não creio nisso e ninguém crê decerto...
Entanto, eu cismo que, num vale ameno,
Talvez o seio de um jasmim pequeno
Sirva de berço ao coração de Alberto.
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MEU PAI
Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.
Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas deste rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.
A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.
Se lá no céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!
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MATER
Minha mãe! meu amor! Por que voaste, rindo,
Para o país azul e santo da quimera?
Minha mãe! minha mãe! Se o céu é sempre lindo,
Aqui também há sol, também há primavera...
Depois que te partiste e os teus pobres filhinhos,
Pequeninos e sós, deixaste na orfandade,
Ficamos a chorar — implumes passarinhos!
Que os pássaros também soluçam de saudade.
Pobres aves sem ninho, andamos a procura
Do ninho de teu seio imaculado e amigo,
Criancinhas sem berço, em busca de um abrigo
No berço de tu’alma alabastrina e pura.
Não nos deixe sofrer, outrora, quando aflita
Tu nos via chorar — os risos de tu’alma!
Soluçavas também e a tua mão bendita,
Nos enxugando o pranto, o transformava em calma.
Teu seio, ó minha mãe, era a corrente mansa,
Sempre serena e doce em seu gemer eterno,
Onde boiava, a rir, noss’alma de criança
No mimoso batel do coração materno.
Como era bom dormir na curva de teu braço,
Sonhando adormecer ouvindo-te cantar...
Como era bom dormir, ó mãe, em teu regaço,
Dourando-nos o sono a luz de teu olhar!
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MORENA
Ó moça faceira,
Dos olhos escuros,
Tão lindos, tão puros,
Qual noite fagueira!
Criança morena,
Teus olhos rasgados
São céus estrelados
Em noite serena!
Que doces encantos
No brilho fulgente,
No brilho dolente
De teus olhos santos!
E eu vivo adorando,
Meu anjo formoso,
O brilho radioso
Que vão derramando.
Em chamas serenas,
Tão mansas e puras,
Teus olhos escuros,
Ó flor das morenas!
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MANHÃ NO CAMPO
Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores é o que a vista alcança...
— Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora.
Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,
Recorda um’alma diluída em prece,
Um coração feliz que inda estremece
À luz sagrada do primeiro sonho!
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NO ÁLBUM DE EUGÊNIA
Quanta dor a boiar nos olhos das crianças,
Quanta gota a tremer no cálice das flores...
E aqui neste jardim, plantado de esperanças,
Eu venho inda depor a lágrima das dores.
A lágrima é o meu nome escrito entre as formosas
Páginas de teu livro, um berço de boninas!
Pois não bastava o orvalho a tremular nas rosas,
Nem o pranto a rolar nas faces pequeninas?
Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.
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