quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Renato Benvindo Frata (As pedras do meu estilingue)

Drummond teve a sua no caminho, a lhe barrar os passos; Golias recebeu a de Davi no cocuruto e foi pro bebeléu; Fernando Pessoa ou o blogueiro ‘Nemo Nox’, (não se sabe a autoria), guardou-as para construir com elas um castelo; Michelângelo, Míron, Fídias, Policleto, Clímaco,  Praxíteles, Lisipo e outros, viveram as burilando para as belíssimas esculturas; os clássicos lapidários, ao longo do tempo, continuam a dar magnificência a dedos e colos femininos ao lapidá-las; os riachos fazem delas  gargantas de belas vozes a lhes tirar um marulhar contínuo, e, cada qual com cada qual de nós, teve, tem, terá bom ou mau uso das suas deixando-as rolar como seixos, nas ribanceiras da vida, ou impedindo-lhes ações mais graves e violentas. 

Pedras são tropeços, dirão uns, ou material de construção, dirão outros na heterogeneidade que faz a beleza da vida. Com elas se constroem castelos, estradas, pontes, joias, estátuas, e também muros – como o Das Lamentações! - em qualquer das acepções que lhes queiram dar. Bem assim, pedras são como a flecha atirada ou saídas da malha de um estilingue em relação às palavras ditas, ou mal ditas – que não poderão ser impedidas até atingirem o alvo, e às vezes fazem estragos, às vezes refrescam a alma, acalentam o espírito, alimentam a vida e põem sorriso em lábios circunspectos.

As pedras do meu estilingue eram fatais. Considerando o tempo – mais de 65 anos, o espaço rurícola, a cultura de massa e a realidade vivenciados, não me criam remorsos, mas um certo mal-estar perante o conceito de caça de hoje e havia uma razão: matávamos animais para o sacio (a mesma fome que hoje grassa a roer estômagos sem a alternativa que tínhamos), vez que o caçar era livre e incentivado diante de um plantel gracioso e multicolorido exposto nas matas, campos, cafezais e que serviam de refeição principal adicionada à indefectível polenta.

As pedras, no entanto, nunca perderão sua especificidade seja para o bem ou para o mal, assim como a fome, aliás que hoje – vejam a vergonha! - acomete milhões nesse rico país. O desleixo com carentes grita ensurdecedora nos becos, nas vielas, nas ruas, nos pontilhões, nos casebres e nas praças.

Equivalem à pedra de Drummond, a lhe barrar o caminho e que hoje conspurca a vontade, mata desejos, cria obstáculos e impede as conquistas que todos, indistintamente, têm o direito de almejar. 

Fonte: Texto enviado pelo autor

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