Rio de Janeiro/RJ (1947)
SOLIDÃO
Sem a solidão, o Amor não permanecerá muito tempo ao seu lado.
Porque também o Amor precisa de repouso, de modo que possa viajar pelos céus e manifestar-se de outras formas.
Sem a solidão, nenhuma planta ou animal sobrevive, nenhuma terra é produtiva por muito tempo, nenhuma criança pode aprender sobre a vida, nenhum artista consegue criar, nenhum trabalho pode crescer e se transformar.
A solidão não é a ausência do Amor, mas o seu complemento.
A solidão não é a ausência de companhia, mas o momento em que nossa alma tem a liberdade de conversar conosco e nos ajudar a decidir sobre nossas vidas.
Portanto, abençoados sejam aqueles que não temem a solidão. Que não se assustam com a própria companhia, que não ficam desesperados em busca de algo com que se ocupar, se divertir, para julgar.
Porque quem nunca está só já não conhece mais a si mesmo.
E quem não conhece a si mesmo passa a temer o vazio.
Mas o vazio não existe. Um mundo gigantesco se esconde em nossa alma, esperando para ser descoberto. Está ali, com sua força intacta, mas é tão novo e tão poderoso que temos medo de
aceitar sua existência.
Porque o fato de descobrir quem somos nos obrigará a aceitar que podemos ir muito além do que estamos acostumados. E isso nos assusta. Melhor não arriscar tanto, já que podemos sempre dizer: “Não fiz o que precisava porque não me deixaram.”
É mais confortável. É mais seguro. E, ao mesmo tempo, é renunciar à própria vida.
Ai daqueles que preferem passar a vida dizendo “Eu não tive oportunidade”!
Porque a cada dia afundarão ainda mais no poço dos próprios limites, e chegará o momento em que não terão mais forças para escapar dele e encontrar de novo a luz que brilha pela abertura acima de suas cabeças.
E abençoados os que dizem: “Eu não tenho coragem.”
Porque esses entendem que a culpa não é dos outros. E cedo ou tarde encontrarão a fé necessária para enfrentar a solidão e seus mistérios.
E para aqueles que não se deixam assustar pela solidão que revela os mistérios, tudo terá um sabor diferente.
Na solidão, ele descobrirá o amor que poderia chegar despercebido. Na solidão, ele entenderá e
respeitará o amor que partiu.
Na solidão, ele saberá decidir se vale a pena pedir para que retorne, ou se deve permitir que ambos sigam um novo caminho.
Na solidão, ele aprenderá que dizer “não” nem sempre é falta de generosidade, e que dizer “sim” nem sempre é uma virtude.
E aqueles que estão sós neste momento, jamais se deixem assustar pelas palavras do demônio, que diz: “Você está perdendo tempo.”
Ou pelas palavras, ainda mais poderosas, do chefe dos demônios: “Você não importa para ninguém.”
A Energia Divina nos escuta quando falamos com os outros, mas também nos escuta quando estamos quietos, em silêncio, aceitando a solidão como uma bênção.
E nesse momento, a Sua luz ilumina tudo o que está ao nosso redor e nos faz ver quanto somos necessários, quanto a nossa presença na Terra faz uma imensa diferença para o Seu trabalho.
E quando conseguimos essa harmonia, recebemos mais do que pedimos.
E para aqueles que se sentem oprimidos pela solidão, é preciso lembrar: nos momentos mais importantes da vida sempre estaremos sozinhos.
Como a criança ao sair do ventre da mulher: não importa quantas pessoas estejam à sua volta, cabe a ela a decisão final de viver.
Como o artista diante de sua obra: para que seu trabalho seja realmente bom, ele precisa estar quieto e escutar apenas a língua dos anjos.
Como nos encontraremos um dia diante da morte, a Indesejada das Gentes: estaremos sozinhos no mais importante e temido momento de nossa existência.
Assim como o Amor é a condição divina, a solidão é a condição humana. E ambos convivem sem conflitos para aqueles que entendem o milagre da vida.
(do livro de Paulo Coelho. Manuscrito encontrado em Accra)
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