domingo, 17 de dezembro de 2023

Eduardo Affonso (Implicância)

Cuidado com as suas implicâncias. Lenta e inexoravelmente, elas irão tomar conta de você e se tornar obsessões.

Minha mãe sempre implicou com edifícios sobre pilotis. Criada em casa de chão de terra batida, não sentia firmeza nas construções empoleiradas naquelas perninhas finas.  Resmungava cada vez que via um prédio desses – ou seja, resmungava sempre que ia à rua. 

Com a idade – e o Alzheimer – as vigas e pilares das construções nas encostas (trem mais comum em Minas que que chamar as coisas de trem) se tornaram uma ideia fixa. Um incômodo palpável. Era preciso distraí-la (“Olha que cor horrorosa aquela casa!”) sempre que seu olho se sentia atraído pelos monstrengos em pernas de pau encarapitados em cada aclive, declive, murundu ou pirambeira. Porque minha mãe também implicava com as cores das casas, mas os roxos, laranjas, vermelhões e verdes bandeira não eram páreo para as construções levantadas do chão.

Desde então venho pensando: qual será o meu piloti quando eu ficar velho (mais velho) e chato (mais chato)?

Tenho vários candidatos.

Os vícios de linguagem são os mais óbvios. São eles que me impedem de assistir à programação da CNN, porque minha cota diária de tolerância a barbarismos se esgota em cerca de 60 segundos.

Também tem a franja. Eu entendo a sombra verde, os óculos com correntinha, a sobrancelha imitando a logo da Nike, o pírcim no lábio – mas franja está além da minha compreensão.

Implico com gente falando alto ao celular em local público. Implico com gente falando alto. Ultimamente, dei para implicar com gente, mesmo calada, em local público – mas isso vai passar com a pandemia.

Implico com tatuagem. Com sotaque carioca em filme dublado. Com cachorro usando roupa. Com barba desenhada. Com locutor de supermercado.

Mas, correndo por fora e com grandes chances de chegar ao pódio, está a ombreira.

O que leva um ser humano do gênero macho a inflar artificialmente os ombros e ficar parecendo um jogador de futebol americano que botou um terno por cima do shoulder pad?

O Merval Pereira conta que, num voo, sentou-se ao seu lado um sujeito espaçoso, cheio de correntes de ouro e que não largava o celular, ignorando os pedidos da aeromoça para que desligasse o aparelho. Era o Wassef. Suponho que estivesse com o cabelo emplastado. E, possivelmente, com suas inseparáveis ombreiras – que o Merval não menciona, mas que não me escapariam.

A ombreira é o viagra do paletó.
A ombreira define o homem.
Diz-me se usas ombreira e eu te direi quem és.

Eu não reparo no cabelo do Guga Chacra. No olho de gatinha da Renata Vasconcelos. Na franja da Nina Lemos. Nunca reparei na peruca do Chico Xavier, nos anéis do Walter Mercado, no nariz do Juca Chaves, na boca da Cleo Pires, no busto (digamos assim) da Inês Brasil, no pescoço rabiscado do Fogaça.

A suposta participação do Wassef numa seita satânica pode dizer alguma coisa do seu caráter. Mas as ombreiras dizem tudo.

Fonte:
https://tianeysa.wordpress.com/2020/06/25/implicancia/. 25 jun 2020.

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