- Que é isso, menino! Fala baixo! E aí, por que tá dizendo isso?
- Oi, pai, o homem está com as meias no avesso e a mulher pisou no cocô do Batuta e nem se tocou.
- Êta moleque bisbilhoteiro. Vai, brincar, vai.
Mas até que o danado tinha razão. Terêncio e Ambrósia, o dito casal que o guri pensava ser cego, estava bem próximo disso. Enxergavam muito mal, mas, cá entre nós, recusavam-se terminantemente a admitir tal deficiência. Isso gerava, vez por outra, brigas homéricas, o que não raramente chegava a alarmar a vizinhança. Somente concordavam com a própria miopia quando lhes era conveniente.
- Bró, (esse era o apelido que ele lhe pusera), passa essa camisa pra mim?
- Ah! Nem vem! Você mesmo diz que eu não enxergo bem. Vai que fica mal passada e eu vou ter que escutar até o Natal. Amanhã a empregada passa.
Ou então:
- Terê, me leva até a casa da mamãe?
- Negativo! Você sabe muito bem que eu não enxergo direito para dirigir a noite. E se acontecer alguma coisa...? Vai de ônibus ou toma um táxi.
E assim por diante.
Uma coisa não se pode negar: na hora da eventual emergência havia um alto espírito de solidariedade entre eles. Esqueciam-se as divergências e o socorro ao vitimado era de uma prontidão de dar inveja.
Um dia, por exemplo, o Terêncio estava tranquilamente lendo, ou melhor, tentando ler o seu jornal, quando foi abruptamente arrancado de seu delicioso torpor pelos berros de Ambrósia:
- Terê! - Gritava ela. – Vem matar uma perereca aqui no banheiro!
Sabendo do pavor que ela nutria por anfíbios, o homem encheu-se de coragem, armou-se do chinelo e partiu resoluto pensando fixamente em eliminar o terrível monstro que molestava sua companheira.
Chegando à porta do banheiro, indagou:
- Onde está o bicho?
- Está ali, atrás do vaso.
- Vaso!? Que vaso!? Você colocou planta no banheiro, mulher!?
- Vaso sanitário, idiota! Privada! Sabe o que é privada?
Diante de tal grosseria Terêncio bem que pensou em recusar-se a prestar o serviço, o que , por certo, faria com que Ambrósia não deixasse barato. Até um divórcio não ficaria fora de cogitação. Mas Terê ainda teve que ouvir:
- Vai logo, homem! Tá com medo?
Receoso de que tal interpretação pudesse repercutir entre os vizinhos e amigos, partiu para o ataque do suposto animal, sem antes dirigir um olhar fulminante e dar um “chega prá lá” na mulher. Embora algo temeroso, debruçou-se sobre o tal “vaso”, levantou o chinelo, relutou, e depois, disse:
- Isto aqui não me parece ser sapo, ou coisa assim. Tem mais jeito de mariposa. E das pequenas.
Mal terminava a frase e já a cara-metade empunhava valentemente o frasco se inseticida. Fsssss... Fssssss.... Fssss...
- Chega, mulher! Desse jeito quem vai morrer somos nós!
- Então, espia lá e vê se o bicho já morreu.
Movido por outro arroubo de coragem, Terêncio empurrou com a ponta do chinelo aquela horrenda criatura, levando-a até um ponto onde a luz que vinha da janela permitia ver melhor (ou simplesmente ver).
Vocês podem não acreditar, mas o que causou esta enorme tensão e por pouco não acaba com aquela perfeita união, era apenas e tão somente um “band-aid” usado, que um deles havia tentado lançar ao cesto do banheiro, e errou o alvo.
Fonte: www.sorocult.com/el/view.php-cod=1463.htm (desativado). Acesso em 09.01.2016.
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