quinta-feira, 18 de julho de 2024

Vereda da Poesia = 59 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

DOMITILLA BORGES BELTRAME

O marido agonizante,
insistindo quer saber:
– Fui traído? – e ela, hesitante:
– E se você não morrer?…
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Poema de Ohio/EUA

TERESINKA PEREIRA

Carta

Uma folha de papel
faz milagres de emoções!
Uma letra, que como voz,
vem de longe com segredos,
confessando o seu pensar...
A carta se abre
como flor da tarde
na palma da minha mão.
A lembrança de quem escreveu
se faz estrela-guia
e vem com o carinho
da querida pessoa amiga
que na carta mandou
o melhor de seus sonhos.
Viva a amizade de quem
ainda sabe escrever cartas!
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Aldravia de Ipatinga/MG

GORETH DE FREITAS

O
trem
leva
e
traz
poesia
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Soneto de Rodelas/BA

JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA

A beleza da vida

A beleza da vida está na própria vida,
nas flores do jardim, no fruto do pomar.
No amanhecer do dia, o sol vindo do mar,
ou da várzea, da serra – eterno na subida.

A beleza da vida está no conjugar
os rios, a floresta, e a comprida avenida…
Pista e velocidade, os pneus a rolar!
Ou, no espinho e na rosa? Ou na idade vivida?

A beleza da vida – o homem no trabalho,
no campo ou na cidade. A enxada. A pena. O malho.
Mover de sonho e fé, de luz, de cabedais.

A beleza da vida – o todo na impulsão
de tudo que se move. O amor, o coração…
O destino da paz, a paz. A íntima paz!
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Trova Premiada  em Fortaleza/CE, 1980

OTÁVIO VENTURELLI 
(Nova Friburgo/RJ)

Migrante de mil andanças,
mascate de fantasias,
no alforje das esperanças
só levo quinquilharias...
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Poema de Santo Amaro Sousel/Portugal

FÁTIMA MALDONADO

Um Fado

Quem viu barcos
ir ao fundo
tem nos olhos a certeza
aposta firme na boca
rude descrença na reza

Quem viu barcos trazer escravos
munições e artifícios
figueira brava na costa
açoite preso no riso

Quem viu barcos
magoá-lo,
ferros, lavas e palmeiras
descrê santos e novenas,
nega laços, destrói cercos,
toma ventos por lareiras. 
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Trova Popular

Esta noite dormi fora,
na porta do meu amor;
deu vento na roseira
me cobriu todo de flor.
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Sol

Hoje estás escondido. Olhando para fora,
em meio à névoa densa, em vão eu te procuro.
Que falta fazes quando, ao se esboçar a aurora,
vejo o céu carrancudo e tão cinzento e escuro!

És tu que trazes vida, a ausência eu te censuro.
Sem ti sofre a semente a emergir para a flora,
falta a luz dos teus raios ao trigo maduro,
esmaecem os tons quando te vais embora.

De repente, através de uma nesga apareces…
Com que força vital a alma da gente aqueces
e afastas tão depressa as nuvens de tristeza!

És dono do universo, a nada te comparas;
e ao sentir teu calor reconfortando as searas,
feliz volta a sorrir, de novo, a Natureza!
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Trova Humorística de Miguel Couto/RJ

EDMAR JAPIASSÚ MAIA

Aperta meu coração
ser mãe de um filho ilustrado...
- Ele tem muita instrução?
– Não! ... É todo tatuado!
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Poema de Curitiba/PR

PAULO LEMINSKI 
1944 - 1989

O Que Passou, Passou

Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?
Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a crônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.
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Haicai de São Paulo/SP

DARLY O. BARROS

Mais além, a mata 
e um azulão na gaiola, 
cabisbaixo, mudo…
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Soneto sonhado

    Meu tudo, minha amada e minha amiga,
    Eis, compendiada toda num soneto,
    A minha profissão de fé e afeto,
    Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga.

    O que n'alma guardei de muita antiga
    Experiência foi pena e ansiar inquieto.
    Gosto pouco do amor ideal objeto
    Só, e do amor só carnal não gosto miga.

    O que há melhor no amor é a iluminância.
    Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria
    De onde? Dos céus?... Dos longes da distância?...

    Não te prometo os estos, a alegria,
    A assunção... Mas em toda circunstância
    Ser-te-ei sincero como a luz do dia.
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Trova de Ribeirão Preto/SP

OEFE SOUZA
(Othoniel Fabelino de Souza)

Eu tenho muita saudade
do tempo em que eras só minha.
Mas, é que sofro em verdade,
por te ver, também sozinha…
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Glosa de Petrópolis/RJ

GILSON FAUSTINO MAIA

Chuva

MOTE:
Desde os tempos de Noé
O mundo pôs-se a saber
Que a manga só cai do pé
Porque não sabe descer.
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

GLOSA:
Desde os tempos de Noé
que, de medo, morre o mundo.
Talvez por falta de fé,
esse pavor é profundo.

Hoje existe a previsão,
o mundo pôs-se a saber,
com grande antecipação,
o dia em que vai chover.

Como filhos de Javé,
devemos acreditar
que a manga só cai do pé
quando Ele determinar.

Veja: o vapor ao subir
faz a chuva acontecer,
liquefaz-se pra cair,
porque não sabe descer.
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Trova de Juiz de Fora/MG

MESSIAS DA ROCHA

No rastro dos desenganos,
registrei bem na memória,
que os erros mudam os planos
mas jamais mudam a história.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

Soneto

No teu palácio de vitrais preciosos,
espelhos altos, e tapeçarias,
tu, milionário, entre cortesanias,
vives os teus momentos caprichosos.

Braços vendidos e mentidos gozos,
de amores fáceis, enches os teus dias.
Mas, passada a delícia das orgias,
vês, protestos e beijos, mentirosos.

E ah! quantas vezes, solteirão, cansado,
invejarás o "guardador de gado"
que pelo escurecer, sem falsos brilhos,

volta para a cabana, e alegre janta,
cachimba um pouco, afina a viola, e canta
para o amor da mulher, e o amor dos filhos...
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Trova Premiada  em Pedralva/MG, 1965

JACY PACHECO 
Duas Barras/RJ, 1910 – 1989, Niterói/RJ

Quando te vejo, Teresa,
tão bonita e jovial,
eu considero a tristeza
mais um pecado mortal!
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ

Parolagem da vida 

Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nuda.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo.
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida.
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida.
Como a vida é forte
em suas algemas.
Como dói a vida
quando tira a veste
de prata celeste.
Como a vida é isto
misturado àquilo.
Como a vida é bela
sendo uma pantera
de garra quebrada.
Como a vida é louca
estúpida, mouca
e no entanto chama
a torrar-se em chama.
Como a vida chora
de saber que é vida
e nunca nunca nunca
leva a sério o homem,
esse lobisomem.
Como a vida ri
a cada manhã
de seu próprio absurdo
e a cada momento
dá de novo a todos
uma prenda estranha.
Como a vida joga
de paz e de guerra
povoando a terra
de leis e fantasmas.
Como a vida toca
seu gasto realejo
fazendo da valsa
um puro Vivaldi.
Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida
em flor e formiga
em seixo rolado
peito desolado
coração amante.
E como se salva
a uma só palavra
escrita no sangue
desde o nascimento:
amor, vidamor!
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Triverso de São Paulo/SP

CARLOS SEABRA

ave calada — 
ninho em silêncio 
na madrugada 
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Sextilha Agalopada de São Simão/SP

THALMA TAVARES

É teimoso meu velho coração!...
Aos menores trinados da poesia
ele esquece que deve se aquietar
e, ansioso, cedendo  a euforia
vai feliz capengando ao entrevero,
com coragem, com fé, com ousadia.
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Trova de Joaquim Távora/PR

ADILSON DE PAULA 

Pôr do sol, campos desertos,
e o pinheiro então parece
estar de braços abertos
a sussurrar uma prece ...
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Hino de Itararé/SP

Letra: Dorothy Jansson Moretti
Música: Maestro Gerson Gorski Damaceno

Itararé das campinas
e mil recantos amados 
das verdejantes colinas  
e dos vales ondulados...

Das araucárias e pinus,
envolvidos na fragrância, 
os ventos te cantam hinos, 
ó terra de nossa infância!

Do Rio Verde e Caiçara, 
da Gruta das Andorinhas, 
quem dera eu te alcançara 
nessa trilha que caminhas!

Das araucárias e pinus 
envolvidos na fragrância, 
os ventos te cantam hinos 
ó terra de nossa infância!

De tua gente expansiva  
brilhantes realizações 
 te fazem sempre mais viva 
 junto aos nossos corações!

Das araucárias e pinus 
envolvidos na fragrância,
os ventos te cantam hinos, 
ó terra de nossa infância!
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Itararé: Uma Ode à Terra Natal
O 'Hino de Itararé - SP' é uma celebração poética da cidade de Itararé, localizada no estado de São Paulo. A letra exalta as belezas naturais e a riqueza cultural da região, destacando elementos como as campinas, colinas, vales, araucárias e pinus. Esses elementos são apresentados de forma a evocar um sentimento de nostalgia e pertencimento, especialmente para aqueles que cresceram na cidade.

A música também faz referência ao rio Verde e à gruta das Andorinhas, locais emblemáticos que contribuem para a identidade local. A menção a esses pontos geográficos não é apenas descritiva, mas também simbólica, representando a conexão profunda entre os habitantes e sua terra natal. A repetição da frase 'terra de nossa infância' reforça essa ligação emocional, sugerindo que as memórias e experiências vividas em Itararé são fundamentais para a formação da identidade de seus moradores.

Além das belezas naturais, o hino destaca as realizações da 'gente expansiva' de Itararé, sugerindo um povo trabalhador e orgulhoso de suas conquistas. A letra transmite um sentimento de orgulho e amor pela cidade, celebrando tanto o passado quanto o presente. A música, portanto, serve como um lembrete constante da importância de valorizar e preservar a cultura e as tradições locais, mantendo viva a memória coletiva da comunidade.
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Poetrix de Salvador/BA

GOULART GOMES

Horroris Causa

engenheiro de obras prontas 
advogado de causas perdidas 
doutor em letras vencidas
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Soneto de de Jazente/Portugal

ABADE DE JAZENTE
(Paulino António Cabral)
Quinta do Reguengo/Amarante/Portugal, 1719 – 1789, Jazente

Amor é um arder que se não sente

Amor é um arder que se não sente;
É ferida que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.

É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.

É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.

É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Ao notar a Lua cheia, 
surpreso o Sol resmungou: 
– Se um mês atrás eras meia, 
quem foi que te engravidou?... 
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Júpiter e o fazendeiro

Jove, outrora, arrendou certas fazendas.
Deitou Mercúrio o bando: acodem gentes:
Uns dão tanto; outros põem-se ali à escuta.
Não faltou regateio.

Punha-lhe um pecha, que era de ruim lavra
A terra; outro senão lhe punha ess’outro.
Enquanto assim os lanços bandeavam,
Vem um mais abelhudo,
Não de mais siso — e os lanços todos cobre;
Contanto que lhe Júpiter prometa
Dar-lhe o governo do ar, e as sazões dar-lhe
A seu sabor e alvitre.
Dar-lhe calma quando ele a desejasse,
Dar frio, dar bom tempo, dar nortias,
Chuvas, secura. — A tudo anui  Jove.
Passa em forma o contrato.
Eis o biltre chapado rei dos ares,
Que venta, chove, e que se engenha um clima,
De que algum dos vizinhos mais não prova
Que os que moram na América.
Nem por isso pior se acharam: foi-lhes
Esse ano de ampla ceifa, ampla vindima,
E mui fraca a colheita do abelhudo.
Assim, no ano seguinte,
Muda o teor dos céus. Mas melhor fruto
Lhe não dá a terra; a dos vizinhos rende,
Frutifica. — Então é, que ele confessa
Quanto imprudente obrara.
Como brando senhor, se há Jove com ele.
Que convém que infiramos deste conto?
Que, melhor do que nós, a Providência
Sabe o que nos compete.

(tradução: Filinto Elísio)

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